A uma dada altura, Júlio Pomar, numa conversa com Sara Matos e Pedro Faro, sobre se era capaz, sem dificuldade, de se desfazer das obras que criava, respondeu, sem entraves: “no meu caso, não tenho problemas nenhuns em me desfazer das coisas. (…) por vezes, há uma questão de incapacidade quase física de ir mais além, quero dizer, de fazer as obras aproximarem-se do conceito de acabado. Mas se estão acabadas, quando acabou o “corpo a corpo, não tenho problema nenhum que saiam do atelier.”
Carlos Bunga parece seguir esta linha de despojamento nas obras que expõe na exposição “The Architecture of Life, Environments, Sculptures, Paintings and Films, MAAT, O artista utiliza habitualmente o cartão prensado nas suas instalações, que são geralmente site-specific, e que tocam domínios como a arquitectura, a escultura e a pintura – aquele material que associamos às coisas efémeras e perecíveis. Geralmente em grandes dimensões, o cartão dilui-se nos espaços, ou impõe-se como seu dimensionador. As superficies deste material são preenchidas a cor, pelo artista, para, logo de seguida, no momento do “corpo a corpo” com o material, serem cortadas e rasgadas. As estruturas salientam assim a vulnerabilidade do lugar, a “temporalidade do espaço”, como o artista bem fomentou da exposição realizada em 31 de Dezembro de 2009.
Há uma certa organicidade no modo como o artista estabelece o contacto com a obra, uma espécie de “corpo a corpo” como diria Pomar. Bunga pinta, rasga o cartão, liga as partes com fita adesiva. Estabelece conexões entre as várias disciplinas, evidencia as ambiguidades existentes entre elas, cria sub-disciplinas. Salienta uma “dialéctica dos opostos”. Por um lado, preocupa-se com o plano do suporte (o cartão), como se se tratasse de uma pintura, por outro deixa-se absorver pela estrutura que se dilui, ou complementa, no espaço arquitectónico.
Há um certo despojamento em Bunga porque o artista não se quer fixar em nenhuma disciplina. A catalogação, essa, já mora bem longe, no separatismo modernista. Como Cage que criara os 4 minutos e 33 segundos de silêncio, composição concebida para nenhum instrumento ou combinação de instrumentos, o que de facto interessava era que tudo poderia ser música. À semelhança de Cage, o que interessa ao artista, nas várias disciplinas, é o modo como, como meios, podem “criar uma experiência, seja visceral, conceptual ou de outro tipo, num ambiente determinado”.
Os meios ficam assim, ao serviço das experiências, e dos actos individuais do artista, que estão bem presentes na obra de Bunga.
Como um dia terá dito Krauss, a nossa cultura ainda não se habituou a pensar de forma complexa, embora outras culturas o tenham feito com grande facilidade. Os labirintos são tanto arquitectura quanto escultura. Os jardins japoneses são tanto arquitectura quanto paisagem.
Eram parte de um universo cultural, lugar onde a escultura era só mais uma parte.