MUDE

Texto de Francisco Vaz Fernandes

Fotografia por Luísa Ferreira/MUDE

Depois de muitos anos fechado, para grandes obras estruturais no edifício, o MUDE reabre. Tem sido aos poucos, gerindo muito bem as expectativas e afirmando desde já que é um lugar aberto, multidisciplinar, com uma grande centralidade e que está além de um espaço cristalizado em torno de uma coleção de design de grande valor. Assim a exposição inaugural que decorreu no andar térreo, falava sobre esse lugar ao longo dos tempos desde a sua função original, de bloco habitacional pombalino, até as adaptações consequentes que decorreram no momento em que se transformou na sede de um banco, o Banco Nacional Ultramarino, que na década de 50 levou obras de grande vulto. Sob a orientação do arquiteto Cristino da Silva o programa da arquitetura de interiores juntou os melhores artistas da época que realizaram uma obra de grande qualidade que se tornou representativa da mestria das artes aplicadas vividas na época.

MUDE Museum. Para que servem as coisas. Exposição. Lisboa 23 Out 2024 © Luisa Ferreira

A exposição inaugural levou-nos ao seu piso térreo tendo ao longo desse percurso revelado, antes de mais, um majestoso balcão em pedra preta polida, talvez o elemento simbólico mais relevante de uma antiga instituição bancária, talvez ainda presente na memoria coletiva do lisboeta. Por milagre escapou à ruína vítima de uma conceção de museu antecedente que defendia uma apagão generalizado de todas as particularidades e memórias do espaço, propondo uma sala tipo white cube, tudo ao contrário do que podemos ver hoje, onde somos confrontados com a impúdica nudez do espaço que revela as várias camadas da história do edificado. A atual direção do MUDE, procurou que refletíssemos sobre os vários estratos desse local até como extensão da historia da cidade no tempo. Nessa exposição podemos encontrar elementos sobre a evolução do edifício, dando grande destaque para os anos 50 quando o edificado levou grandes obras em consonância com a relevância de uma sede de um banco importante. A Curadoria não se poupou a esforços dando uma dimensão arqueológica, reunindo o mobiliário original, tanto o que mobilava os gabinetes dos funcionários, como os da direção da sede do Banco Nacional Ultramarino. Revelam-se assim peças criadas e produzidas em Portugal, envolvendo aos mais importantes designers portugueses da época, revelando o imputo transformador que se vivia em certos sectores dentro de um país que imaginamos no essencial conservador.

MUDE Museum. Para que servem as coisas. Exposição. Lisboa 23 Out 2024 © Luisa Ferreira

Passada essa fase de referencia à estrutura arquitetónica do MUDE, chegou o momento de falar da exposição Para que Servem as Coisas, apresentada como de longa duração e que tem como objetivo principal mostrar a coleção do MUDE e como tal, será durante algum tempo a exposição principal. Só não é permanente dada a dimensão da coleção e a possibilidade de se poderem de formar outras perspetivas igualmente relevantes.

MUDE Museum. Para que servem as coisas. Exposição. Lisboa 23 Out 2024 © Luisa Ferreira

Com a curadoria da diretora do MUDE, Bárbara Coutinho, a mostra Para que Servem as Coisas pode ser vista como um percurso evolutivo entre núcleos representativos que condensam o pensamento, movimentos ou períodos temporais. Algo que percorre uma ideia evolutiva modernista que tem início em 1900 chegando aos nossos dias. Todos os grandes ícones do design de produto e de moda estão em geral presentes e nesse sentido, esse percurso há tanto um sentimento de surpresa como de reconhecimento de peças que apenas vimos reproduzidas em imagens difundidas em revistas e livros especializados. Esta coleção que tem como ponto de partida o acervo desenvolvido por Francisco Capelo, foi adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa e contém peças de grande qualidade, peças originais, peças únicas que tornam este conjunto uma referencia em qualquer parte do mundo.

MUDE Museum. Para que servem as coisas. Exposição. Lisboa 23 Out 2024 © Luisa Ferreira

O percurso oferece-nos ainda uma visão de contextualização com a realidade portuguesa, um trabalho essencial dado que os meios de difusão das áreas culturais, ontem como hoje foram e são muito insípidas não conseguindo chegar ao domínio público. Por essa razão, essa perspetiva traz-nos mais surpresas e desperta a curiosidade de conhecer mais sobre o que se revela a título nacional. Por exemplo, um vestido em organza transparente de 1930 desperta-nos a curiosidade e o interesse de querer saber mais sobre uma tal Delfina Marques. Uma modista? Inquirimos intrigados. Ao lado de uma cadeira Thonet para dar um contexto temporal e não longe de uma portuguesissíma cadeira tipo rabo de bacalhau, para não perder contexto local.

MUDE Museum. Para que servem as coisas. Exposição. Lisboa 23 Out 2024 © Luisa Ferreira

Nesta exposição é claro que a ideia de um país ideal progressista é presente mas vivido no essencial por uma elite mais informada que olha para fora e procura estar a par. Nesse sentido é muito sintomático a mobília de quarto que Thomaz de Melo desenhou para a família Roo (1942) . O MUDE expõe o toucador e o guarda-fatos desse conjunto onde imediatamente encontramos ressonâncias a peças de Gio Ponti , mas que entram perfeitamente a imagética nacionalista 1930-1950, cristalizada na proposta de Raul Lino, quando o regime da época ainda se mostrava empenhado num fim regenerador da cultura portuguesa com alguns laivos de progresso modernista.

MUDE Museum. Para que servem as coisas. Exposição. Lisboa 23 Out 2024 © Luisa Ferreira

O design contemporâneo também está presente na mostra até porque o design nacional mesmo que exíguo nunca desapareceu e reaparece após o 25 de Abril como elemento essencial para a imagem de um país aberto, totalmente integrado nos ideais da cultura ocidental. Temos então presente uma primeira geração que surge de uma formação que agora pensa o design como disciplina independente. Contudo, é uma geração com dificuldade de chegar à produção industrial que nos idos de 80 , tal como hoje, parecia uma miragem. Nesse sentido o que podemos ver da época são projetos com edições muito reduzidos e mais uma vez destinados a uma elite. Nesse sentido, é emocionante estar a frente do Iglo de Filipe Alarcão, uma peça icónica que sobrevive ao tempo e que desperta grande curiosidade. Também de referir as peças de Fernando Brízio que no seu conceptualismo consegue desenvolver uma poética ímpar.

MUDE Museum. Para que servem as coisas. Exposição. Lisboa 23 Out 2024 © Luisa Ferreira

Esta exposição e a coleção fazem com que o MUDE ocupe uma centralidade no panorama museológico nacional. Já se viu que pode acolher a programação de grandes eventos que venham de fora, e as solicitações devem ser mais que muitas e não estranhas à sua localização, entre o Rossio e a Praça do Comercio , Não podia ser mais central e por isso é de esperar que seja cada vez mais transversal que possa chamar vários públicos e nesse sentido, tornar-se um ponto de passagem cada vez mais obrigatório na cidade. Esperamos ainda pela abertura do serviço de restauração previsto para o seu rooftop com uma vista sobre a baixa de 360 graus. Promete vir a ser um hot spot da cidade.

MUDE. Roof Top © Luisa Ferreira

MUDE , Museu do Design e da Moda

Rua Augusta, 24 Lisboa (Baixa).

Telf 21 817 1892.

Ter-Dom 10.00-19.00

11€ (adulto); 5,50€ (estudantes, 13-25, maiores de 65)

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