Van Zee

Texto por Alex Couto

Fotografia por Maria Rita

Esta é uma história que começa na Ilha da Madeira, mas cujas vibrações chegaram muito mais longe do que os seus limites geográficos. Van Zee, descontraído e bem-disposto, chega ao estúdio como se fosse só mais uma paragem do seu International Business.

calças e casaco ACNE Studios, tenis Axel Arigato

Esta postura sorridente é totalmente justificada pelo sucesso do seu projecto mais recente, do.mar, assim como pelo entusiasmo genuíno que se gerou à volta da sua música. Com duas datas recentes a esgotarem no Capitólio e outra no Hard Club, a música de Van Zee está a chegar a cada vez mais ouvidos. A frescura do seu som faz-nos acreditar que as músicas com dez milhões de streams vão continuar a levantar voo.

Um artista é sempre um tastemaker, quer tenha noção disso ou não. A nossa conversa mais ou menos assim, num começo da carreira de Van Zee em que essa clareza não estava tão presente. Havia, no entanto, um entusiasmo. Uma vontade de trazer para ilha da Madeira algumas das referências em que já mergulhava, até na sua ambição de criar música.

Era a única chance que eu tinha de trazer a minha visão para os eventos na Madeira onde era sempre a mesma música. Estava na organização dos bailes de estudantes e das viagens de finalistas da associação, mas estava num ano anterior ao meu, porque eu sempre tive isto de querer estar ao pé dos eventos.”

total Look Hermès

Como tinha feito a minha pesquisa, ao conversar sobre o começo da sua carreira, também aproveitei para perguntar ao Van Zee se o primeiro concerto dele tinha sido logo a abrir para Halloween. Teria sido um takeoff daqueles.

O primeiro, primeiro, não foi. Mas foi daquela fase em que eu ainda nem considerava as coisas gigs, só pegava no microfone e cantava um bocado. At the end of the day, o meu primeiro gig mais a sério sim, foi a abrir para Halloween.”

Esta proximidade do mar e das referências que chegam por avião, acabou por nos levar para uma conversa sobre a relação com a Madeira. De forma detalhada, e com grande maturidade artística, o Van Zee explicou-nos alguns desafios que teve com a criação de um público e a forma profunda como isso acabou por mudar a sua relação com o publico madeirense. Agora quer conquistá-los.

No início, o desafio nem foi a insularidade. O meu primeiro som teve um engagement superior ao que devia ter tido e isso criou um standard, mas depois tive dois anos e tal em que a minha música não era ouvida. O meu problema estava a ser sobretudo não me ligar ao sentimento de que a minha casa tinha de me ouvir e representar. O meu maior struggle foi aprender que não era só porque era madeirense que as pessoas tinham de me ouvir, isso vem como uma consequência da qualidade do meu trabalho.”

Tank Top JW Anderson, calças Jacquemus, sapatos Saint Laurent, mala ao peito Maison Alaia

Aviso importante, curto bué do som do Van Zee. Já tinha pesquisado a faixa com sample do Cartola no Youtube ainda antes de saber que ia fazer esta entrevista. Já tinha reflectido sobre a dicotomia entre canções pop contemporâneas altamente melódicas e aquela vibe bragadoccio que encontramos, por exemplo, na International Business.

Há espaço para os dois. Há dias em que estás full of yourself e há dias em que questionas as tuas decisões. Como o processo criativo é tão subconsciente, tu nem tens controlo. No meu processo eu sinto mesmo que não tenho grande controlo. Acho que todos os artistas são inspirados pela vulnerabilidade, só atinges o teu potencial assim. A tua arte tem mais a ver com a tua relação com o mundo do que com o que estás a tentar fazer.”

Na minha cabeça, meti Van Zee junto de Brockhampton e de Dominic Fike, o tipo de canções pop com cuidado nas melodias, nas letras e num certo instinto para captar o zeitgeist. Um tipo de mistura moderna que junta vocais melódicos com sequências de rap e alguns coloridos de R&B, numa produção que não só quer ser fresca, como também quer ser crocante. Falamos sobre referências, sobre a origem delas:

Acho que as referências não são importantes as in no meu papel de criança a consumir música que me estava a moldar, mas onde estou hoje consigo reflectir na presença da música desde cedo.”

Tank Top JW Anderson, cap ACNE Studios

O seu ouvido atento para as tendências também está atento às características dos diversos estilos. Uma certa ousadia que se torna uma ferramenta do artista e que abre caminho à exploração.

O hip-hop é feito de reutilização, de samples e de usar a arte de outras pessoas para trazer benefícios para a nossa. Trazer um bocado de nostalgia também. A utilização de músicas antigas, de flows, de beats e até dicas de letra que te transportam para outra altura e chegam ao ouvinte.”

Esta mudança de onda da conversa para a música em si, permitiu-me falar com Van Zee sobre quais são os músicos com que tem gostado de trabalhar e quais são as relações que tem vindo a explorar na sua música.

Eu gosto imenso de trabalhar com o Nort e com o Frankie. O Nort foi a primeira pessoa a picar-me a cabeça para elevar a minha performance. Acho que aprendemos imenso um com o outro porque ele tem um conhecimento mais técnico e eu tenho algo mais intuitivo. Esse balanço deu-me uma boa infraestrutura. O Frankie junta o conhecimento técnico ao instinto e é bom curador dos elementos certos para criar uma peça que fique no tempo.”

calças e casaco ACNE Studios, tenis Axel Arigato

O que também ajudou bastante a sua percepção musical foi a mudança para Amesterdão, onde aprendeu a navegar a cultura de uma forma muito mais humana. Essas lições ficaram para o Van Zee músico, mas também para a pessoa que este jovem de vinte e três anos se está a tornar.

Também me ajudou a conhecer outras culturas e o quanto somos small fishes. Talvez tu estejas a julgar o comportamento das pessoas porque não tens noção nenhuma da cultura delas. Quando começas a conhecer pessoas de diferentes zonas, começas a perceber determinados traits das pessoas. O que tu conheces não é quase nada, isso foi bué fulfilling.”

Não podíamos acabar esta entrevista sem falar sobre a moda, muito menos quando o Van Zee está a acompanhar o seu projecto musical do.mar com um merchandise composto por duas peças de roupa. Perguntei-lhe como se desenvolveu esta relação entre música e moda.

A moda não foi algo que tenha adquirido muito novo. Venha de um meio em que toda a gente é muito parecida. Não quero dizer que toda a gente é igual, mas criam-se padrões e não há uma cultura de usar a forma como te vestes para a tua identidade. As pessoas compram roupa porque precisam e se não forem uns calções de quatro bolsos beges que sirvam para a pesca já nem vão pensar nisso. Amesterdão teve esse beneficio para mim, mostrou-me malta que usa o que for, quando for e não há aquele bias. Estão-se nas tintas. Na Madeira é muito standardizado.”

Casaco Jacquemus, camisa Maison Martin Margiela, calças Bottega Veneta, sapatos Saint Laurent

Esta simbiose entre moda e música acaba por ser um passo natural para o artista, até porque é mais uma forma de expressão do que sente e das tendências que captura.

Adoro quando na Madeira as pessoas olham para mim não porque me reconhecem, mas porque estranham o meu fit. Quero expressar-me através das coisas simples. Desde que comecei a levar a música a sério que comecei a conhecer malta que tinha marcas, foram essas pessoas que me motivaram, conhecer malta que são sinais do universo para tu interpretares. Foi algo que senti no momento e ainda hoje em dia. Ganhei um carinho.”

Sejamos sinceros. O Van Zee teve um grande ano de 2023 — é natural que queira para trazer para 2024 algum desse embalo. Quando lhe pergunto, encontro uma tranquilidade que não deixa de transparecer algum entusiasmo. Acima de tudo, sinto que Van Zee está seguro do seu percurso e disposto a saborear o que vem a seguir.

Eu não preciso de ir para a Altice Arena para me sentir concretizado, preciso é de estar feliz todos os dias a trabalhar para isso. Como artista e como pessoa, é mais importante todos os dias fazeres um effort para estares concretizado do que fazeres isso para num dia no futuro ires celebrar. Nada me vai pagar o prazer de passar do Capitólio para o Coliseu, é a ordem natural das coisas, quero mais milestones.”

E nós, como uma espécie de controladores aéreos, ficamos a olhar para o radar onde Van Zee cada vez que se destaca mais. Chegar ao céu parece muito mais fácil para quem já veio de avião.


Tank Top JW Anderson, calças Jacquemus, sapatos Saint Laurent, mala ao peito Maison Alaia

fotografia : Maria Rita

direção e styling : Tiago Ferreira

cabelo, make-up : Paulo Fonte

ass make-up : Joana Espargo

ass styling Jennifer Berlin e Tatjiana Jourdan

agradecimento especial a Stivali

entrevista e produção fotográfica para parqmag.com/wp/pdf/PARQ_80.pdf