A Outra Cena celebra os 50 anos do 25 de Abril num fim de semana prolongado, com direito a três dias de festa e uma programação focada em artistas que têm vindo a derrubar barreiras e abrindo caminhos para a democratização do clubbing, criando ao mesmo tempo espaço para explorar a individualidade de todes.

Exatamente pelas 22 horas e 55 minutos do dia 24 de abril de 1974, o jornalista João Paulo Diniz da Rádio Emissores Associados de Lisboa subia o fader que iria transmitir a canção “E Depois do Adeus” escrita por José Niza e José Calvário, interpretada por Paulo de Carvalho. É-nos impossível separar a música da Revolução do Cravos, pois sem ela não teriam sido dados os sinais para avançar com o Golpe de Estado que levou à libertação do nosso povo e dos povos outrora colonizados.

É quase simbólica esta analogia, pois é também através da música e da dança que atingimos estados de consciência superiores e, por consequência, nos libertamos de velhos pensamentos, padrões com os quais já não nos identificamos, ou mesmo amarras da sociedade. McKenzie Wark e Hannah Baer definiram, durante a pandemia em Nova Iorque, a rave como uma «situação construída» comparável à organização anarquista e à cultura de protesto político. 

Assim como a anarquia e a resistência, a rave é duradoura e exaustiva. Na rave, encontramos alguns dos nossos maiores inimigos: desde forças de segurança pública ao agressor que procura assediar-nos física ou verbalmente. Escrevem Wark e Baer que «os problemas que surgem nos espaços de diversão noturna são tão reais como [os que surgem] nos bairros gentrificados, locais de trabalho com chefes sexistas, cidades com forças policiais brutais».

Por vezes pode-nos ser difícil ter esta perspetiva, pois associamos as pistas de dança a lugares de lazer. Mas há muita revolução a acontecer nestes espaços que, não sendo «intrinsecamente revolucionários», acabam por ser. No dancefloor, deparamo-nos com o nosso interior, a nossa verdadeira identidade. Baer conta-nos que vê as raves como espaços revolucionários e que «a forma como a alienação se abre e as pessoas se confrontam (…) faz parte do brilho utópico destes espaços». Não existe nada mais democrático do que ver as pessoas a honrar a sua própria essência e a serem quem são de forma genuína, e este privilégio chegou até nós graças à madrugada de 74.    

À meia-noite e vinte da noite de 25 de Abril de 1974 tocava na Rádio Renascença a canção “Grândola, Vila Morena” de Zeca Afonso e assim se confirmava: o Governo tinha sido derrubado. Cinquenta anos mais tarde, porque ainda é importante lutar pela liberdade, a Outra Cena abre as portas para receber a icónica Noite Príncipe na pista do This Side, e o duo de DJs portugueses Funkamente a noite toda, no That Side. Do lado da Princípe Discos, podem contar com Cirofox, Allas G, DJ Danifox, DJ Nigga Fox e Lokowat nos decks. 

Cartaz por Márcio Matos

Na sexta-feira, dia 27, no This Side a Outra Cena recebe Neska, DJ que flutua entre Amesterdão e Barcelona e que explora sonoridades mais dubby e half tempo, assim como Nazira, fundadora do coletivo ZVUK e curadora do primeiro Boiler Room do Cazaquistão (2021), conhecida pela sua mestria no breakbeat, deconstructed blub e techno. 

No That Side, Inês França e Allian (do colectivo portuense ARCANA), trazem uma curadoria de artistas e designers que consideram importantes agitadores da cultura nacional. Entre design, fotografia, styling e as DJs que irão tocar sexta-feira na Outra Cena, estiveram envolvides mais de 20 artistas residentes em Portugal na CRAVE, que além de ser uma festa foi também mote para um ensaio fotográfico.

Cartaz da CRAVE, por Allian e Inês França

CRAVE é uma festa queer e transcentrada, cujo alinhamento é composto por Alma, Astrea, CyberTokio, LAVA, Nuphar e TAXSH. É uma rave transacional onde várias lutas se interseccionam e o nome é retirado precisamente do símbolo da Revolução de Abril, criando uma re-leitura da palavra e tornando-a a-génera (adotando o “E” como artigo singular neutro – “ae crave” // “ume crave”). Crave assume-se como um convite à liberdade de todes, tendo a cultura clubbing e Queer como base.

O objetivo da CRAVE é ser uma festa feita por artistas da comunidade para a comunidade, considerando importante “o fortalecimento de corpas aliadas com essa mesma visão”, diz-nos o comunicado de imprensa. “Ter line-ups diversificados somente aumenta o reconhecimento e alcance dos eventos, ampliando vozes e dando oportunidades que muitas vezes artistas não têm. Sabemos que em Portugal a luta pela igualdade de oportunidades entre mulheres, homens e pessoas dissidentes de género é ainda um longo percurso a correr, no entanto, nos últimos anos temos tido avanços”.

Lava é a DJ persona de ALLiAN. Performer com formação em Letras: seus sets se enriquecem de influências do Brasil e Portugal, território onde vive e se insere artisticamente. É curadoria, atriz, cantor e polímata, tendo sido publicada em livros e artigos cujas temáticas debatem questões de género, raça, cultura, afrofuturismo e História da Arte.

As organizadoras da festa consideram as festas queer e trans-centradas, assim como benefits e projetos de angariação de dinheiro “armas poderosas que podemos usar para mudar o mundo” e, desta forma, decidiram criar uma angariação de fundos para ajudar o povo palestiniano (através da ONG HEAL PALESTINE), e também para financiar a primeira Marcha LGBTQIA+ de Castelo Branco. Na entrada, junto à bilheteira, irá existir um depósito no qual poderão colocar os donativos. 

​​CyberTokio, nascide e criade entre o Barreiro e Moscavide, é, para além de DJ, designer e diretor criative, tendo colaborado com diversos artistas, desde a fadista Ana Moura até Conan Osíris. Mistura, nos seus sets, os mundos de afro/ballroom beats com um toque de jersey club e irá abrir a festa. Nuphar, alias musical de Inês França, cineasta e fotógrafa que, enquanto DJ, já tocou na festa LÍBIDA e no Festival Impulso, irá estrear-se nas pistas da Outra Cena. 

Nuphar é Inês França – cineasta, fotógrafa – dona de imaginários sonoros e estéticos encantados. A vivacidade de prata, a beleza da luz incandescente, a cor de pérola e inclusive o gelo são matérias de seu interesse. Atualmente vive e trabalha em Lisboa, e o seu lema é “uma mistura entre o brilho e sombrio”.

Alma, artista brasileira empreendedora da festa Heat e co-fundadora da Popper, ambas fazem parte da curadoria do Musicbox, toca pela primeira vez nesta discoteca. LAVA é a DJ persona de ALLiAN, performer cujos sets se enriquecem de influências do Brasil e Portugal, território onde vive e se insere artisticamente e além de ter feito a curadoria da festa também se irá apresentar. TAXSH,  artista portuguesa nascida na Suiça, é uma das DJ emergente com mais sucesso em Portugal e tem vindo a mostrar que o lugar da mulher é no palco. Já atuou em eventos como Neopop e Arvi+ e regressa à capital para conhecer este novo clube.

ALMA, artista multifacetada e, tal como a sua música, poderosa. Vinda do Brasil, sua presença carrega a potência da sonoridade Hyperpop e Jersey. Bops marcantes e graciosa valentia.

Astrea é um nome conhecido no undergound lisboeta da música eletrónica. Host de um programa mensal na Rádio Quântica, também produz e é DJ, tendo criado a sua editora discográfica Mãe Solteira Records, onde lançou o seu primeiro EP. Também já publicou música pela Postcarbon Collective (“Hybrid Core” para o VA “Mechaworks” 2023) e pelo coletivo ARCANA (remix do single “Pistola” 2023). Irá fechar a noite com um DJ set, fluindo pela bass music, o latin tek, o trance e o hardcore. Durante a festa, o performer e artista visual DIPSYREI, artista brasileiro-português e ilustrador de autobiografias sobre o próprio dia a dia, contos rápidos sobre bipolaridade, café e histórias de infância, irá fazer uma peça surpresa.

Astrea é DJ, producer, sound & light designer, host de um programa mensal na Rádio Quântica e jornalista. Na música e na vida, procura refutar qualquer regra que nos aprisiona a um género. El partilha da urgência em diversificar espaço culturais, especialmente o circuito crave & clubbing – ambiente que frequenta enquanto entusiasta há mais de 10 anos.

No dia seguinte, sábado, tocam na Outra Cena Amor Satyr (França) e Regal86 (México), dois nomes de grande relevo da música eletrónica contemporânea. MVRIA (Dj, programadora do Passos Manuel no Porto e ativista pelos direitos feministas na Club Culture portuguesa) e ainda Nalu (DJ brasileira, pertencente aos coletivos de Porto Alegre (Brasil) Coletivo Arruaça, Goma Rec. e RE.VERB), ambas a residir no Porto. 

Bilhetes disponíveis apenas na porta da discoteca.

Morada: Av. Infante Dom Henrique, 1950-021 Lisboa

Créditos:

Cartaz Noite Príncipe: Márcio Matos

Ensaio fotográfico CRAVE

Produção: ALLiAN & Inês França

Co-produção: Arcana & In.Trava

Direção Criativa: Inês França e ALLiAN

Fotografia: José Pereira

Assistente de fotografia: Daniela Ramalho

Fotografia de cartazes: Inês França

Assistente de produção: Catarina Brandão 

Design: Inês Santos

Modelos: Alma, Lava, Nuphar, Astrea

Styling: João Ceia, ALLiAN, Inês França 

Assistente de Styling: Pedro Costa e Beatriz Monteiro

Guarda-roupa: Sufoco, Veehana, Marayati, Ana Maricato

Joalharia: Lost my Julz

MUA: Carolina Pinto

Set: Palácio do Grilo

Poesia: ALLiAN

Parceria média: Threshold Magazine & PARQ 

Agradecimentos: Kevin Guieu, Cláudia Noite

Apoio: Outra Cena

Texto: Tatá Seixo Garrucho e Allian Fernando