Entrevista a Madalena Veloso

Madalena Veloso é uma nova designer que tem marcado por recorrer a prints coloridos e divertidos que trazem sempre uma tomada de consciência. Apresentou recentemente no Mono Lisboa em torno de uma mesa cheia de bolos, a sua segunda coleção que é uma homenagem as mulheres em geral, mas também a uma geração que trilhou os caminhos da modernidade e da liberdade contribuindo para a identidade da mulher portuguesa nos dias de hoje.

Acabaste de apresentar a tua segunda coleção chamada “As Marias” trazendo como referências algumas mulheres portuguesas? Porquê esta homenagem?

O meu trabalho foi sempre muito influenciado pela relação da Mulher com a família, as construções sociais e com a sua imagem e corpo. A minha primeira coleção, chamada “Meia-Lua”, que apresentei em 2022 na Nuova Accademia di Belle Arti, faculdade em Milão onde estudava, foi o inicio desse projeto onde comecei a explorar a relação que tenho com o meu corpo desde pequena e os constrangimentos que sentia como mulher desde criança. Esta nova coleção “As Marias” é, de certo modo, uma continuação desse trabalho. Comecei a pensar na coleção mais conscientemente depois de encontrar uma série de livros e revistas de cozinha na casa da minha avó, entre eles o livro Cozinha Tradicional Portuguesa da Maria de Lourdes Modesto.

Ao mesmo tempo tinha acabado de ler as Novas Cartas Portuguesas das três Marias e o livro Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro da Susana Moreira Marques que foi guiada pela Maria Lamas e o seu livro As Mulheres do Meu País. A ligação deu-se quase que de imediato e inevitavelmente dei por mim a pensar constantemente na ligação da mulher portuguesa à casa, à cozinha, e o papel que as mulheres à minha volta têm na construção do sentido de unidade familiar e no sentimento de casa. Com o conceito, prints e as silhuetas da coleção pretendo prestar homenagem às 5 Marias que aqui também representam uma identidade feminina coletiva global. É uma reflexão sobre o trabalho pouco reconhecido e valorizado das Mulheres, como mães, donas de casa, empregadas domesticas, avós mas também um reconhecimento das maravilhas que criam apesar dessa opressão.

Em que medida essas referências aparecem ou condicionaram o design das tuas peças?

A referência mais óbvia é o uso de prints que foram retirados de fotografias do livro Cozinha Tradicional Portuguesa da Maria de Lourdes Modesto e de outros livros e revistas de cozinha. As fotografias que acompanham as receitas foram a primeira referência visual que deu inicio à coleção e tornaram-se fundamentais para o desenvolvimento dos prints principais da coleção, que não faria sentido para mim se não tivesse pratos tipicamente portugueses em destaque. As receitas são de certa forma uma prova documental da sobrecarga das mulheres que, pela repetição exaustiva, criam os sabores e cheiros que ocupam as nossas memórias mais acarinhadas. De outra forma menos óbvia, as Novas Cartas Portuguesas foram importantes na maneira como pensei as silhuetas da coleção – reconhecendo o esforço e constrangimento constante do corpo da mulher, seja imposto pelo parto, por carregar vida e morte, por nutrir e cuidar de recém-nascidos, pela ovulação, liberdade sexual ou pela necessidade de fugir à atenção masculina indesejada. As peças foram pensadas para libertar a mulher desse desconforto, preservando ainda assim a sua feminilidade e individualidade.

O que se pode encontrar nesta coleção e onde podemos encontrar as tuas peças?

Nesta coleção, que está disponível no meu site (madalenaveloso.com) encontram pecas divertidas e confortáveis para todas as ocasiões, com prints fortes e coloridos que são constantes no meu trabalho.

Como é que gostas de ver a moda?

Para mim a moda foi sempre uma forma de me expressar e de encontrar a minha individualidade. Gostava que a moda se tornasse uma pratica mais consciente e sensível ao seu impacto, para quem a faz e para quem a consome.

Performance e apresentação da Coleção no espaço Mono Lisboa

Quais as tuas referências em geral para a vida?

Tenho como referência e influência constante as minhas memórias de infância e o trabalho de tapeçarias e bordados tradicional português. O trabalho das artistas Louise Bourgeois, Paula Rego e Tracy Emin têm, de igual forma, uma influência permanente no meu trabalho e são frequentemente ponto de partida de vários projetos.

As tuas coleções tem em geral algo de divertido. Consideras-te uma pessoa divertida, ou simplesmente achas que o mundo precisa de ser mais divertido?

No meu trabalho tenho tido especial interesse por print e experimentação têxtil, explorando técnicas de print digital com elementos feitos à mão. Este interesse tem resultado frequentemente em prints coloridos e divertidos. Gosto de pensar que como designer tenho a capacidade de criar peças que dão conforto e confiança a quem, como eu, dá prioridade ao sentimento de individualidade. Quero um mundo com mais consciência de si, mas nem todas as personalidades divertidas se expressam com cores fortes. Se quem usa as minhas peças se sentir confiante, contente, confortável e divertido fico com um sentimento de dever cumprido.