Texto de Lara Mather @lara_mather

Baseado numa peça tradicional inglesa do séc XVII de teatro infantil com marionetas, o filme da realizadora australiana Mirrah Foulkes, “Judy and Punch” estreou a 27 de Janeiro de 2019 no Sundance Film Festival e nos cinemas em Portugal a 30 de Julho de 2020. A realizadora transformou-o num filme de época que exibe a maneira como as mulheres eram acusadas de bruxaria e eram altamente violentadas. Apesar de ter sido lançado no auge do movimento #Metoo, por cá acabou por passar um pouco despercebido e vale a pena recordar.

Trata-se da primeira longa-metragem de Mirrah, protagonizada por Mia Wasikowska e Damon Herriman que interpretam os papéis de Judy e Punch respetivamente e que embarcam numa desconstrução de um espetáculo familiar, contado de uma perspetiva trágica com um fundo cómico e místico.

Judy e Punch, são um casal que gere um teatro de marionetas numa pequena vila fictícia, Seaside. Os problemas conjugais surgem quando Punch, um vigarista obcecado com fama, volta a cair na tentação do álcool e num acidente horrífico mata a filha recém nascida. Judy destroçada com a situação, quando confronta o marido acaba brutalmente por ser vítima de violência doméstica, caindo inconsciente. Punch, julgando-a morta, enterra-a no meio da floresta.

Mia Wasikowska entrega o papel de uma forma muito forte sem esconder a gravidade dos temas que o filme tão explicitamente nos mostra. Torna Judy uma mulher empoderada que literalmente renasce do solo e retorna para a sua vingança.

O espetáculo de marionetas é interpretado de uma forma literal em que, tal como as marionetas da peça original, Punch agride violentamente Judy e todos aqueles que o tentam amar e ajudar.Mirrah consegue com este filme apesar de tudo trazer momentos cómicos a esta trágica e perturbadora história.

Apesar de ter sido filmado na Austrália tem um aspeto muito europeu e de facto é um filme que para além das incríveis performances se destacam os figurinos de Edie Kurzer, a direção de arte de Adele Flere, a maquilhagem de Kirsten Veysey e a incrível cinematografia de Stefan Duscio.

Stefan usou lentes anamórficas Panavision série B para dar grão à imagem, envelhecendo-a para ajudar visualmente a dar a entender que o filme poderia ter sido filmado há alguns séculos atrás. Uma escolha muito calculada e perfeita para este contexto.

Damon recebeu o prémio de Melhor Ator nos Australian Academy of Cinema and Television Arts Awards 2019 e nos Film Critics Circle of Australia Awards 2020, Mirrah recebeu o prémio de Melhor Argumento no Catalonian International Film Festival 2019, Edie Kurzer recebeu o prémio de Melhor Figurino para longa-metragem nos Australian Production Design Guild Awards 2019 e François Tétaz recebeu o prémio de Melhor banda sonora original nos Australian Academy of Cinema and Television Arts Awards 2019.

Um conto macabro sobre amor, vingança e marionetas, “Judy and Punch” recomenda-se para os mais fortes de estômago.

Texto Lara Mather para PARQ #79