Quarto de Flores
Texto de Francisco Vaz Fernandes para PARQ #73
Neutralizado o espaço, por um cortina cinza que envolve todo o interior da Cabana Mad, Miguel Ângelo Rocha expõe um conjunto de trabalhos, onde se destacam duas esculturas de grandes dimensões. Recorrendo apenas a madeira recortada e pintada de branco seguimos linhas que se entrelaçam-se e se elevam no espaço dominando-o visualmente. O espetador circula, deambuleia o olhar nessa aparente leveza das formas como se fossem fitas suspensas. Uma visão que a fotografia nos veio dar nessa possibilidade de congelar o momento de um pequeno sopro em que tudo se elevou. Tanto as formas como os títulos das peças têm uma propositada dimensão poética, que não permite auto-referências claras a realidade do dia a dia.
Miguel Ângelo Rocha, hoje com 54 anos, começou o seu percurso profissional com propostas que divergiam daquelas que na sua geração estavam a merecer mais atenção pública, que optaram por projetos mais discursivas, trazendo a arte para campos sociais e ganhando dimensões políticas. Havia nesse jovens a genuína necessidade de estarem a par dos discursos dominantes do que se fazia lá fora. Ou seja, o artista enquanto corpo político, não ganha relevância no trabalho que Miguel Ângelo começa a produzir, nem a desmaterialização da arte, para dar apenas exemplo de algumas temáticas dos anos 90, o que faz com que o artista passasse a ter um percurso singular que ainda assim nunca deixou de ter visibilidade e atenção em Portugal.
Muitas vezes a sua produção foi enquadrado com artistas da geração anterior, como José Pedro Croft ou Manuel Rosa, por haver mais pontes de conexão . Contudo, olhando para outros casos singulares que emergiram em outros países, e nomeadamente se quisermos colocar ao lado de um Mark Menders, percebe-se que também nunca foi nem é um caso tão singular num panorama geracional mais alargado. Olhando até para trás, num mundo dominado pelo o storytelling, o silencio, a introspeção, a que a obra de Miguel Ângelo de Rocha nos convida, é o que permitiu que a sua obra ganhasse a consistência que vemos hoje.
Formalmente não verificamos grandes mudanças na sua obra e a constância é certamente outro ponto a reter. Ela gere-se por si, por um conjunto de obsessões que o artista trabalha consecutivamente que não tem por prioridade mostrar-se como novidades. Materiais e formas repetem-se porque elas representam à partida os recursos mínimo eleitos pelo artista se expressar. O que lhe está no pensamento que ganha forma a partir da mão que desenha e que ganha dimensão quando passada para um corpo erguido no espaço, não precisa de grandes recursos . Ou seja, a materialidade existe, é complexa, mas não é só um fim em si. Ela ganha uma constante , porque está sempre atualizada, em conexão com o pensamento podo artista da sua poética.
O desenho como forma de pensar é presente no trabalho de Angelo Rocha. O seu trabalho procura sair de um espaço racional para entrar numa fase mais inconsciente que um desenho automaticamente pode assegurar, permitindo-lhe chegar a um nível poético. Linhas que rodam entre sí sem princípio nem fim. Também as suas esculturas materializam este principio sem fim que se eleva ou se projeta no espaço. No meio, uma das esculturas apresenta, estruturas que evidentemente remetem-nos para o arquetipo de um corpo de homem, que podemos trespassar pelo olhar, encontrar o seu vazio interior , porque tudo é sonho.
CABANAmad
RUA DA MISERICÓRDIA 66 1dto – LISBOA
Até 21 de Dezembro