Drag & Rave – Fomos à última festa Arvi x Bushwig

Texto de Flora Santo @florasq

Fotos de Raye Kreidel @rayemk

Nesta noite de julho, no Lisboa ao Vivo, uma sala de espetáculos em Marvila, o ambiente é alegre e transgeracional. Hoje, a festa organizada pela Arvi tem um sabor especial: esta noite, para além de dançarmos, prestamos homenagem à cena drag portuguesa. Como costuma acontecer em Lisboa, muitos amigos encontram-se por acaso, desde os mais novos em roupa de pele e outfits cybercore até aos cinquentões, apreciadores do mundo drag desde os anos 80. A partir das 23h, o recinto enche-se pouco a pouco e o público aproxima-se do palco, aguardando pacientemente o início dos espetáculos. Kiki Milano, de peruca ruiva e botas de cano alto brilhantes, é a primeira a chegar e dá o tom com uma atuação de dança cintilante e plena de energia. Segue-se-lhe Imperatrisha, imponente e airosa, adornada com asas de pássaro, e Tandy 3000, criatura futurista em tons de dourado. Cada artista tem 5 minutos para revelar o seu universo artístico ao público.

kiki Milano e Imperatrisha

Durante o intervalo, Gonçalo fuma um cigarro com os amigos na parte exterior da sala. Habituado a frequentar a noite lisboeta, viu a paisagem festiva evoluir nos últimos anos e a cena queer desenvolver-se, e alegra-se com a chegada de novas noites como a da Arvi. “É importante haver esses espaços em Lisboa onde as pessoas jovens queer possam vir e possam se sentir comodas, confortáveis e livres de explorar seja com se vestem, como falam, como se comportam” afirma. “Existe essa liberdade aqui.”

Mary Poppers

Drag everything

Em apenas três anos, a Arvi tornou-se um espaço incontornável para a comunidade queer local. Desde 2020, o coletivo organiza festas LGBTQIA+ underground em Lisboa e no Porto, oferecendo um safe space e line-ups de qualidade que misturam sons techno e underground pop, tornando-se rapidamente num dos coletivos mais dinâmicos da cena eletrónica portuguesa. No sábado 15 de julho, juntaram-se ao Bushwig, icónico festival drag de Nova Iorque, para uma noite de performances drag e rave. A intenção: oferecer uma viagem através da cena drag nacional, destacando e reunindo artistas drags locais, representativas de várias gerações e de diferentes correntes artísticas do drag. “A cena de drag em Portugal ainda está muito segmentada e, estas pessoas, apesar de partilharem uma área artística, nunca se encontram no mesmo palco. É um evento histórico porque estamos a propor uma retrospetiva duma arte em Portugal“, explica João Viegas, fundador da Arvi. “A ideia era refletir sobre o que é que o drag significa em Portugal e fazer um percurso pela história e pelas diferentes variantes desta forma de arte.” Aqui, não se fala de drag queens mas sim de drag performers, de forma a incluir todas as subcategorias que compõem a arte drag e transformista. “Existem drag queens, AFAB queens, drag kings, drag things, drag queengs, non-drag performers…” enumera Eunice Franco, coorganizadora do evento e membro do coletivo Bushwig. “A ideia é só partilhar o palco com pessoas que tenham os mesmos valores e a mesma vontade de mostrar arte queer.

A noite continua com mais uma quinzena de espetáculos incluindo uma cover apaixonada revisitando o clássico pimpa de Quim Barreiros “A Cabritinha” por Sylvia Koonz, uma reinterpretação feérica de “Like a Virgin” de Madonna por Nenaza, ou uma homenagem ao carnaval por Keyla Brasil. No total, 20 artistas apresentaram atuações espetaculares que combinaram arte performativa, transformismo e encenação experimental. Embora a noite tenha contado com alguns dos nomes mais emblemáticos da cena drag portuguesa, como Deborah Krystall e Jenny Larue, o objetivo também foi dar palco a figuras emergentes como Lola Herself, Felicia Hunter (eleita Miss Drag Lisboa 2022), Fer e Lola Bunny, entre outras, e homenagear a cena local nas suas mais variadas vertentes. “Em vez de trazer nesta primeira edição grandes nomes e, se calhar, dar menos as pessoas daqui, queríamos fazer um cartaz completamente local” explica António Onio, coorganizador do evento e membro do coletivo Bushwig. “Não queremos chegar cá e trazer toda a gente de Nova Iorque, nós queremos fazer um projeto juntos com o coletivo com que estamos a trabalhar” completa Eunice Franco. “Não é chegarmos cá e dizermos: “Isto é Nova Iorque”. Não: isto é Lisboa.”

O bom caminho

Por volta das duas da manhã, enquanto o espetáculo se aproxima do fim e os DJ sets se preparam para começar, os grupos conversam com entusiasmo. Para muitos deles, está a ser um evento único: é raro ver em Lisboa um leque tão diversificado de artistas drags no mesmo palco, apresentando atuações tão vanguardistas. Mary Poppers, uma das artistas do evento, foi apanhar ar à entrada do recinto. “Acho que o mundo da festa queer de Lisboa está a ganhar o seu momento” sorri. “Acho que ainda não está lá, mas acho que está a caminhar para o bom caminho, o que me deixa feliz“.

organizadores João Viegas, Eunice Franco e António Onio

A segunda metade da noite é dedicada à festa. O primeiro DJ set é de Alma e Mariño, membros do coletivo Popper, uma festa queer criada em Lisboa há cerca de um ano, seguidos de Saint Caboclo, fundador do coletivo Dengo Club, dos DJs residentes da Arvi, Saetern e Glabra, e de um b2b entre João Viegas e António Onio, coorganizadores do evento, para encerrar a noite. “Tentamos incluir coletivos diferentes” afirma João Viegas. “São coletivos que são relevantes atualmente, há muitos coletivos que são importantes historicamente para esta cidade, mas nós quisemos focar em pessoas que estão a fazer coisas agora e que estão a deixar um impacto nas pessoas desta geração, que estão a começar a sair agora“. O formato da noite, que propôs um espetáculo de drags seguido de uma rave, permitiu a um público mais jovem, alguns dos quais não familiarizados com a cena drag de Lisboa, descobrir artistas locais, bem como a um público mais velho, que tinha vindo ver figuras drags emblemáticas, festejar com DJs da nova geração. Espaços seguros e novadores como este são ainda demasiado raros em Lisboa, mas paira no ar um sentimento de renovação. O futuro da vida noturna da cidade parece estar em boas mãos.

Lola Herself
Afonso Peixoto
Gert Mehlan
Belle Dommage
Sharon Le Grand e Rezm Orah
Sylvia Koons e Felicia Hunter
Iva Romão
Lola Bunny
Gert Mehlan