SOUS

texto por Marta Vieira

fotografia de Óscar Silva

Agendámos esta entrevista por WhatsApp para uma segunda-feira à tarde. Mariana Sousa acabou de vir da praia. Está em Porto Santo para três dias de quietude, antes de regressar ao Funchal, cidade natal onde irá produzir a próxima coleção da Sous, marca que criou em 2014, com 24 anos. Depois voltará para o Rio de Janeiro, onde vive agora – lá iremos – não sem antes passar por Lisboa. Aquando deste texto está, contudo, em Paris. É assim que a percecionamos, cheia de mundo e com muitos universos dentro de si. Há uma sensibilidade artística que se nota e uma doçura no trato que cativa. O que mais sobressai é mesmo a confiança.

Fotografia de Óscar Silva

Nem sempre foi assim, confessa-nos ao recordar uma adolescência com pouca autoestima. Na escola, as roupas criadas pela mãe tiveram um papel fundamental. Eram únicas e faziam-na sentir-se especial. “Nasci no meio da costura. A minha avó era bordadeira e as mulheres da minha família costureiras”, conta com orgulho, acrescentando que desde cedo soube que queria ser designer..

Anos volvidos, e através da Sous, também ela tem oportunidade de criar modelos exclusivos e irrepetíveis. Não há duas peças iguais, o que gera simultaneamente encanto e desconsolo. A autenticidade é fulcral, seguida do respeito pela tradição, num perpetuar de vida de técnicas artesanais em risco de extinção. Tem-se o tricot, o croché e claro, o bordado Madeira, em tecidos como o linho, o algodão e a seda, provenientes de dead stocks e viagens ao Peru, Colômbia e seus vizinhos. “Gosto de trabalhar materiais com história. E com pessoas genuínas, sem filtros”, conta sobre o grupo de artesãs locais que compõem a equipa da Sous, incluindo a mãe e a avó.

O cunho regional é inegável. Foi na ilha da Madeira, também ela singular nos seus recortes e paisagens, que se afirmou. Primeiro num espaço aberto aos transeuntes, e agora em atelier privado. “Adoro aqui, as pessoas já me conhecem, mas faltava-me algo. Chega a uma altura em que queres acrescentar mais e sentes que não estás no lugar certo”, acenamos em concordância. “Costumo dizer que, muitas vezes, a vida tem planos melhores que os nossos”.

Admite estar a viver uma lua de mel com a Sous. Uma nova fase pautada por uma aventura entre o Rio de Janeiro e a Madeira, com o carioca da gema que conheceu na Costa da Caparica. “Fechei aquele livro e abri literalmente um novo” afirma, mantendo “nada disto fazia parte dos meus sonhos, mas percebi que havia um enorme espaço para expandir a minha marca no Brasil”. Ali perde-se e encontra-se a toda a hora. Acorda e vai para a rua procurar fábricas, tecidos, retalhistas. “Estou a começar do zero. Não conheço ninguém” conta e, no entanto, já tem a primeira costureira “uma senhora na casa dos setenta, casada com um português e de mãos perfeitinhas”. Quer levar o bordado Madeira mais longe e trazer outras mestrias consigo, num câmbio artesanal e cultural.

“É um país de contrastes, muito como vejo a minha marca. O mesmo para a mulher que veste Sous. Imagino-a delicada, mas também atrevida. Tímida, mas que entra a matar se necessário. Um bocadinho imperfeita e está tudo bem”. Uma forma romântica de estar que se revela através rendas, transparências e cortes femininos. Apesar da sua formação – licenciou-se em Moda e Design Têxtil na turma anterior à do criador Luís Carvalho, tendo sido aluna de Alexandra Moura – rege-se sobretudo pela intuição. “Não penso muito no processo. É o meu reflexo, a marca sempre foi o meu reflexo”. Como a coleção “Saudade do Futuro” [nas fotos] onde procurou escolher gentilmente a matéria prima, com peças impregnadas de memorias e desejos, no entanto sem tempo definido “esta coleção é uma saudade que ainda não foi vivido. De algo que ainda não sabemos o nome”, desvenda sobre este projeto passado do qual tem muito carinho.

No momento, está a finalizar um vestido de noiva. Não é o seu primeiro, mas também não aceita todos os pedidos. Tem de haver química. Segue-se a coleção a apresentar no final de outubro na Moda Madeira. “Em princípio 12 coordenados, de uma mala que trouxe cheia de material e com muita influência da América Latina”. Sentimo-la feliz. Questionamos se será isto o verdadeiro sucesso. “É engraçado, nunca pensei muito nisso. É como ter de explicar o óbvio. Sucesso para mim é estar em equilíbrio, estar bem e em paz com o meu coração, poder criar e saber que as pessoas adoram o meu trabalho”, reflete devagar, concluindo “no Brasil, as coisas estão-se a dar, estou a conseguir criar uma harmonia maior do que aquela que tinha planeado, então acho que sim, que isso é sucesso. E ainda aqui vamos…”.

Texto : Marta Viera para PARQ_76.pdf (parqmag.com)

FOTOGRAFIA : Óscar Silva

Maquilhagem: Érica Sousa

Cabelos: Nina Machado

Modelos: Constança Quintal (4Affection Agency) e Vitória Gouveia