Leticia Maldonado
Texto por Rafael Vieira
Leticia Maldonado é uma artista norte-americana que trabalha com vidro e com a luz, esta encapsulada naquele para materializar formas simbólicas ou figurativas. Esta pulsão criativa toma forma pelo exercício da destruição criativa ou pelo fluxo da improvisação.
Começaste na ilustração e evoluíste para a escultura em vidro. Como é que se processou essa evolução, houve algum momento de epifania?
Essa descoberta foi muito pragmática para mim. Cheguei a um ponto em que percebi que estava interessada em tantas técnicas diferentes e sentia que a ilustração, só por si, não me sustentaria à medida que envelhecesse. Eu ponderei um pouco e pensei: “Preciso de escolher algo para empreender e comprometer-me a dominar a um nível em que me possa tornar autónoma nas artes criativas”. Então escolhi néon como ofício, para possivelmente trabalhar numa loja de sinalização. À medida que as competências cresciam, descobri que podia pegar nos meus desenhos e na minha autoexpressão e ‘incendiá-los!’. Isto abriu a minha mente e comprometi-me com isso. Agora quase nunca aceito encomendas e não tenho interesse em trabalhar numa loja de sinalização. Eu também aprendi bartending só para ter outra via para me sustentar e tirar a pressão comercial da minha expressão criativa, para focar-me apenas na minha arte. Para vincular isto à identidade, penso que o trabalho de fazer arte é uma conversa contínua com o próprio, sobre a vida que está a viver; desta forma, é um desenvolvimento da identidade.
Como é que descreves o teu processo criativo? Envolve um primeiro momento de desenho antes da concepção ou também deixas a criatividade fluir e improvisas completamente? Referes que usas “destruição criativa”; o que é?
Para mim funciona em ambas as direções. Apesar de ser após anos de prática, sou agora capaz de aproveitar o último. Como há um elemento de segurança e quero ter a certeza de que não estou a criar um risco de incêndio, é importante entender as limitações do ofício e as ‘regras’ das melhores práticas para criar peças de vidro duráveis. No início, a maioria do que eu fiz foi no sentido tradicional, começar com um desenho, transformá-lo num padrão, depois trabalhá-lo. Agora que tenho mais anos de compreensão do vidro nas minhas mãos, sou capaz de trabalhar um pouco mais livremente e ir diretamente para o vidro e improvisar com o que posso ver na minha mente.
Muitas vezes tenho um ímpeto de inspiração e quero ir diretamente para ao vidro para obter satisfação, e faço o máximo que posso à mão livre, talvez apenas referindo um pequeno rabisco da forma que persigo. Mas a um dado momento eu tenho que me trazer de volta à terra e desenhar um pouco mais concretamente, porque há um elemento de engenharia numa peça de néon. Eu tenho que pensar com antecedência onde é que a eletrónica vai, como posicionar tudo para que a instalação eletrónica não interfira na expressão artística. E a minha parte favorita (sarcasticamente), é que tenho que pensar como aceder às partes internas para futuras reparações. Nalguns dos meus primeiros trabalhos, eu juntava tudo como se fosse durar para sempre e nunca precisasse de reparações, mas depois aprendi o quão impraticável isso é.
Destruição criativa é aquele sentimento de experimentar a expressão criativa, seja através do próprio trabalho ou do de outra pessoa, que resulta num metafórico pontapé no peito. Como a sensação do coração a abrir-se para libertar alguma forma oprimida e expor algo novo e terno, como resposta a uma verdade não nomeada. Algo numa obra de arte reconhecida primeiro pela sua alma e depois pelas suas palavras, que resulta na expansão de si mesmo, só possível através dum pouco de destruição criativa do eu anterior. Acho que é uma experiência muito saudável para os humanos, eu mesmo ganhei muita força em tempos sombrios através desse sentimento, de olhar para o trabalho de outros artistas e fazer o meu próprio.
Os teus trabalhos surpreendem a vários níveis: uma técnica tradicional que passou de utilitária a artística; um vidro esculpido que se revela com luz, diferentes camadas para formar uma obra de arte. Escultura + arte vidreira + light design + artesanato e ofício, etc. Vês isto assim, como uma soma de gestos criativos?
Absolutamente. A um nível pessoal, é uma das razões porque esta técnica é tão satisfatória para mim. Envolve a mente e a experiência humana a tantos níveis. Honestamente, é o cerne do motivo pelo qual eu me comprometi como meio de expressão principal, tendo-me interessado por tantos outros antes de aprender a trabalhar com este. A um nível social, há uma história rica do ofício, começando com a ciência do mesmo, passando pela aplicação na publicidade e o seu lugar experimental na arte. Quando pensamos nos ‘ancestrais’ deste ofício, poder-se-ia incluir diversas disciplinas e há tantas comunidades criativas onde ir buscar inspiração, por causa das belas intersecções possíveis com o néon.
texto de Rafael Vieira para PARQ_76.pdf (parqmag.com)