DIA
texto de Francisco Vaz Fernandes
A celebrar os seus 5 anos de existência, o MAAT abre a sua temporada com uma exposição de Carsten Höller, (1961), artista de origem alemã, que tem conhecido uma fulgurante projeção internacional. Quem não conhece a instalação com os cogumelos invertidos instalada na Fundação Prada. Intitulada Upside Down Mushroom Room, 2000 esta peça de arte é talvez a mais contemporânea e a que provavelmente mais selfies despoletou, para além do reconhecimento público imediato e do sorriso espontâneo. Diria até, que no mundo das redes socias, a presença de um indivíduo no cenário tal como esta instalação nos oferece, passou a ser um ato de passagem e a certificação de pertença a uma certa elite. Mas nem todas as obras de Carsten Höller gozam do mesmo sucesso popular e no MAAT a preferência foram para as sua peças que produzem luz ou escuridão.
Intitulada “Dia”, esta é uma exposição comissariada por Vicente Todolí, antigo diretor da Fundação Serralves e da londrina Tate Gallery que reúne peças desenvolvidas ao longo de três décadas pelo artista germânico. Contudo, a peça mais recente desenvolvida para o espaço do MAAT é naturalmente, uma das que ganha especial atenção. O Lisbon dots, instalada no hall central do Centro de Arte é constituída por projetores de luz que se movem a partir de sensores. Ao captar o movimento do indivíduo, o Lisbon Dots insta a uma interação com o público, propondo um conjunto de regras em que o expectador procura progredir saltando para manchas de luz, que podem ser azuis, vermelhas, verdes e brancas. Para além do seu grande efeito cénico, é a obra que melhor ocupou até hoje esse hall. Além disso é a obra que acaba por ser a mais sintomática da grande parte do trabalho de Carsten Höller. Esta obra remete-nos para um conjunto de questões que estão quase sempre presentes de forma invariável no perímetro de ação da sua obra. O que é arte? Como pode ser rececionada? Qual o seu espaço na sociedade. Ou seja, que espaço ocupa o artista na sociedade e qual o seu papel social.
Em Lisbon Dots, o artista propõe uma obra complexa que se completa com a interação do público espetador, coexistindo este com a peça. Ou seja, o artista permite antes de tudo uma experiência, no qual o espetador ganha um espaço de fruição sobre o qual decide com liberdade. O artista coloca-se não só como um analista do real, mas também um potencializador de reais. Não é na objetividade de uma obra de arte que o artista está interessado, mas na capacidade de que o seu gesto artístico possa entrar dentro de um quadro social.
A questão da experiência artística e as próprias instituições de arte que promovem a obra de um artista tem sido igualmente focos do seu trabalho. A propósito disso é de referir uma das peças expostas no MAAT, intitulada, Two Roaming Beds (2015) que consiste em duas camas gémeas robóticas que percorrem de forma autónoma o espaço da exposição deixando umas marcas no chão que vão formando um desenho abstrato. Apesar de poderem ser vistas desocupadas durante o dia, o artista permite com a coordenação da instituição que a acolhe oferecer uma noite no centro de uma exposição, como se fosse uma noite num quarto de hotel. Para que dois espetadores por dia possam dormir uma noite num museu das 20h às 8H apenas é necessário uma inscrição prévia. Segundo a proposta do artista, a experiência contempla um kit que contem 4 tubos com pastas de dentes sendo que o maior de todos contém um ativador que aumenta a capacidade de recordar sonhos e os outros três contêm substâncias que evocam sonhos relacionados com o mundo feminino, masculino e infantil. Cabe ao espetador/performer escolher, segundo a sua preferência.
Nesta peça como na anterior, o carácter aleatório interfere dentro de um quadro objetivo pressuposto pelo artista. Contudo, um conjunto de consequências, se bem que potencializadas, é imprevisto. No essencial, o artista programador rompe com a carga subjetiva que era a marca passada da genialidade do artista enquanto criador. Com a crise da representação que marca a arte nos anos 90, o artista passa a ter dificuldade em se colocar de uma forma exterior para explicar o mundo, a não ser que se implique no seu interior, com a legitimidade de ser um entre muitos a elevar a sua voz. Ou seja, vemos em Carsten Höller certas peças em que o artista potencializa relações e agrega outros sujeitos que fazem a obra acontecer. A obra vai-se transmutando dependendo das circunstâncias em que se apresenta e dos momentos em que ocorre.
O carácter aleatório não está sempre presente nas obras de Carsten Höller. Por exemplo, em Decimal Clock (white and Pink), deparamo-nos com uma peça de grandes dimensões, constituída por vários anéis concêntricos em néon que se vão iluminando através de pequenos relâmpagos. Este efeito que se repete, longe de ser aleatório, refaz a experiência de um relógio funcional que durante a revolução francesa foi proposto como uma possível contagem do tempo feita a partir de unidades decimais. Os segundos acumulam-se dentro dos segmentos de anéis, criando o efeito de pequenos relâmpagos que os iluminam, uns após outros no sentido dos ponteiros dos relógios. Mais uma vez o artista circunscreve a subjetividade do artista, operando as condições de uma mecânica, que se desenvolve de forma objetiva, autónoma até ao infinito. Tal como esta experiência, muitas outras obras do artista recorrem ao conhecimento científico, mesmo aquele que é do domínio público e do qual não temos quase consciência. São, no essencial as tecnologias do nosso quotidiano que ganham em Carsten Höller uma outra dimensão que é oferecida com alguma espetacularidade a um público. Dessa forma, Carsten Höller coloca-se como um analista do real e procura inventar uma economia subjetiva que manipula os possíveis. Apesar de operar dentro de um quadro real, com aspetos do nosso quotidiano, o artista procura que as suas criações ofereçam no essencial conexões inéditas que transcendam os territórios existenciais.
Texto de Francisco Vaz Fernandes para PARQ_71.pdf (parqmag.com)