Nada Existe

Texto de Francisco Vaz Fernandes

Nada existe, título da exposição que reúne na Galeria Filomena Soares, a última produção de Rui Chafes, constituída por 35 peças em ferro dispersas em duas salas. Na primeira prevalecem peças verticais, autónomas do seu conjunto que desafiam pressupostos da gravidade em termos de peso e equilíbrio. Pelo contrário, na segunda sala, apesar de igualmente autónomas, as peças alinhadas vivem da impressão de pertencerem a um conjunto, tendo havido uma envolvimento cénico para melhor enfatizar esse elemento.

Coerente com todo seu trabalho já desenvolvido anteriormente, prevalece na primeira sala uma exploração de formas orgânicas, apontando para volumes que nos obrigam a um olhar circular, a descobrir os seus detalhes nas irregularidades e nas concavidades que surgem. Serão espécies de casulos “abandonados” estranhamente colocados em pé, desafiando o seu impossível equilíbrio? Nesse sentido, Rui Chafes volta a trazer o mundo sensível, observável como referência próxima do seu universo criativo. No essencial coloca-se como uma ponte entre um mundo observado e a sua representação, sem que essa seja marcada por uma transposição direta. Pelo contrário, é nessa impossibilidade de reconstruir o mundo e a vida em si que se fundamenta o processo criativo do artista que depois se traduz numa espécie de poética. A obra de Rui Chafes facilmente leva o espetador a adivinhar referências e mesmo a criar histórias em seu torno. Contudo, o imaginário casulo recém abandonado pela larva da borboleta que nos invade a mente, é para o artista um momento intransponível. Ainda assim o seu significado alimenta indiretamente a sua criatividade, porque o artista acrescenta ao mundo vivido, toda a subjetividade que isso acarreta. Essa impossibilidade de reconstruir o mundo em si em cada uma das suas obras, seja pois então a faculdade de se constituir como parte de um universo.

Como estamos a falar de um campo de possibilidades tão aberto, talvez isso explique porque Rui Chafes na sua produção artística, tenha reduzido tanto o seu campo de possibilidades tecnológicas. Num mundo que tem tantas novidades e potencialidades para oferecer, é como se o mínimo bastasse, porque há um entendimento que o evento do artista é a criação e ela acontece mesmo nas condições mais adversas. A imposição de recursos mínimos tem sido pois, a condição primeira da produção artística a que Rui Chafes se impôs. A partir do ferro, soube extrair dos seus evidentes limites, potencialidades. Evitou que a sua criação estivesse dependente das tecnologias especialmente do que elas podem trazer de novidade, e procurou centrar-se numa matéria e tecnologia, onde a inovação não seria o ponto de foco. De certa forma, ao optar pelas tecnologias associadas à modelação do ferro, inscreveu a sua voz num devir do tempo que traz ressonâncias de toda uma civilização à qual todos pertencemos. A repetição de práticas e um sentimento de pertença constrói então, a sua singularidade que é a base de qualquer poética. Por exemplo, a ilusão entre o peso e a leveza, o equilíbrio e o desequilibro na eminência de um possível caos que encontramos nestas peças expostas são pois, os elementos que ajudam a diversificar uma narrativa que é reinterpretada a cada passo pelo artista.

A segunda sala, os aspetos que podemos associar aos mitos e as narrativas voltam a estar presentes. As quatro obras colocadas num plinto, são desdobramentos da obra “La Nuit” (2018), peça produzida em referencia a Le Nez de Alberto Giacometi para a exposição, “Rui Chafes et Alberto Giacometti – Gris, Vide, Cris”, comissariada por Helena de Freitas, na Fondation Calouste Gulbenkian em Paris, em 2018. Nessa, como nas 4 peças expostas agora na Galeria Filomena Soares, o que se distingue primeiramente é um elemento estirado, que pode evidentemente ser associado a um nariz dada as vagas métricas antropomórficas que relacionam as peças a uma cabeça. As referências à obra de Giacometti, são evidentes e é a base, sobre a qual Rui Chafes convoca todo o seu universo. Algo em que pode misturar literatura popular, como Pinóquio com referentes à cultura cavaleiresca, tudo num lirismo que faz sempre encontrar-se com as formas orgânicas que a natureza oferece na sua pluridade. Sem nunca fazer da sua obra uma referência à atualidade, nesta como em obras anteriores o artista não se inibe de recorrer a significados populares para de forma lata, referir-se a um universo mais abrangente sempre atualizado e, por isso que informa também o presente .

Galeria Filomena Soares, rua da Manutenção, 80, Lisboa , até dia 20 do 11 de 2021

Texto para PARQ_71.pdf (parqmag.com)