O bom filho à casa volta”, podia ser o mote da “Drogaria”, restaurante, que abriu entre a Lapa e a Pampulha, pela mão de Paulo Aguiar. Com formação em engenharia, deslocado durante anos em locais do mundo asiático, voltou ao bairro onde cresceu. Nas suas memórias de infância a porta que hoje abre ao público será para sempre a porta da drogaria do Sr Albino que tantas vezes transpôs para cumprir os recados domésticos. Daí que não fizesse sentido alterar o nome de um local que estava na memória coletiva do bairro e que era a Drogaria. Evidentemente o espaço teve uma grande transformação no interior. Aprimorou-se, com revestimentos mais luxuosos, toques de decoração num estilo decó, onde prevalecem os contrastes entre os brancos e os pretos e alguns dourados. Ainda assim continua a ser a drogaria do bairro.

sala de entrada do restaurante Drogaria na Lapa

A carta do restaurante “Drogaria” segue esta mesma vontade de renovação a partir de um cosmopolitismo que se estrutura a partir da essência portuguesa. A resposta às raízes foi o que falou mais alto desde o primeiro dia em que Paulo Aguiar encontrou o Chef Daniel Sousa. No fundo tinham um percurso comum, tinham passado muito tempo fora, conhecido o mundo e faltava-lhes redesenhar essa experiência em Portugal.

Vindo da Beira com uma formação na Escola de Hotelaria e Turismo do Fundão, o Chef Daniel Sousa passou por vários restaurantes portugueses com uma estrela Michelin, tendo depois se aventurado pela Ásia, nomeadamente Macau, onde entra no conceituado Robuchon Au Domme, que detém 3 estrelas Michelin, podendo então absorver culturas, estilos e técnicas de várias origens.

Por isso, num ponto estavam de acordo. Trazer para a cozinha do “Drogaria”, aqueles sabores de que tinham tantas saudades e que se tornaram numa afirmação identitária. Ambos estavam abertos a uma fusão que fizesse justiça à sua própria evolução, enquanto seres humanos, apurada por uma natural maturidade e rigor técnico que veem adquirindo. A carta proposta pela “Drogaria” não é extensa, mas procura impressionar pela audácia com que misturam, origens e sabores. As “gyosas de cozido à portuguesa” (8,50 euros), uma das entradas de maior sucesso da carta, são disso um exemplo. O sabor do fumeiro português equilibra-se perfeitamente com a frescura de sabores mais “adocicados” de gosto oriental. Vem numa porção de 4 o que se torna o prato perfeito para partilhar, que depois de provar é-se tocado por um sentimento infantil de querer tudo para nós.

gyosas de cozido à portuguesa

De seguida provei uma “barigoule de vegetais, com caldo do Pico” (16 Euros). Neste caso procurou-se fundir um clássico francês de peixe com os sabores da gastronomia típica dos Açores, por onde o chef passou e foi feliz. No caso tive uma posta de corvina levemente braseada ao lado de uma cama de legumes cortados finamente, que mantinham textura e gosto. Tudo mergulhado num delicioso caldo de peixe onde o açafrão bastardo dos Açores foi rei. E que caldo! Uma explosão delicada de sabores, onde de resto representa a portugalidade.

Barigoule de vegetais e caldo do Pico

Por fim tocou-me o “magret de pato, beterraba e laranja” (21 euros), uma sugestão do chef, dado que se tornou num dos ex-libris do restaurante. Aqui evidentemente experimentava uma fusão de clássico francês, com a ideia de um pato com laranja e um arroz de pato que é tão do gosto nacional. Sendo o magret perfeito dentro da tradição francesa, não brilharia tanto sem a ajuda da cevadinha que o acompanha e que se tornou um dos pontos altos desta noite. A beterraba dá-lhe uma atrativa cor sanguínea viva, mas sem aquele ligeiro sabor a terra que lhe é muito característico e que é pouco sexy. Por magia, o que resta no essencial é o sabor e acidez da laranja, tudo numa cremosidade que a cevadinha confere e que torna este prato muito guloso.

magret de pato com cevadinha, beterraba e laranja

Por fim as sobremesas. Chocolate x 3 (6 euros) Ou seja 3 versões de chocolate, branco, de leite e negro abordado em várias texturas. É uma receita que tem tido muitas versões, ao gosto de cada chef porque em termos de acolhimento do público tem pouco onde errar. Um brownie esmigalhado a que se junta uma mouse de chocolate branco e uma barra de chocolate negro com nota artística. Tudo acompanhado da melhor amiga do chocolate, a framboesa. Quem não gosta de mergulhar por essas texturas?

chocolate 3 x

Mesmo que possa parecer afastado dos locais mais habituais, há muitas boas razões para ir ao “Drogaria”, particularmente nestes dias de calor, onde a própria esplanada junto a uma dessas escadinhas típicas com que termina a rua Joaquim Casimiro é convidativa, pacata e misteriosa. Dá-nos vontade de pertencer áquele lugar.

reservas@drogaria-restaurante.pt

Restaurante Drogaria

Rua Joaquim Casimiro, 8 (Lapa) Lisboa

De 3f a sáb. das 19h às 23h (consultar horários durante a restrições devidas a pandemia)

Encerra Dom e 2f

telf (+351) 933 755 442

@restaurantedrogaria