Fragmentos Teatrais
texto de Daniel Bento
Se a moda é uma performance, António Castro continua a encenar, peça a peça, algumas das mais opulentas histórias no seu universo fantasioso. Com uma linguagem visual apurada, os códigos são reescritos com conceitos que privilegiam a exploração têxtil, a utilização de excedentes e a reimaginação de períodos históricos.
À PARQ, o designer português fala sobre uma visão da moda cheia de possibilidades e de experimentação. Cai o pano e começa o espetáculo. Que comece o Ato I.
- O teu trabalho apresenta uma estética muito singular e excêntrica. Como é que a descreverias?
Não acho que a minha estética seja excêntrica, acho que dou muita atenção às texturas e à materialidade das peças. Muitas vezes são peças criadas a partir da exploração têxtil. Tenho um interesse inerente pelo barroco, que me leva a a ideias de opulência e exuberância, mas com uma interpretação contemporânea. Tenho muitas influências no meu processo e que gosto de cruzar coisas inesperadas.
- De que forma recordas as tuas primeiras experiências no mundo da moda?
A primeira experiência, que define a minha identidade enquanto designer foi uma apresentação Guerilla que fiz na estação de comboio de Auber, em Paris. Foi durante a Paris Fashion Week, em 2018. Usamos as escadas rolantes e um um corredor em especial que é todo encarnado. A coleção era toda reversível, por fora cinzenta, com tecidos normalmente associados ao universo corporate menswear, e por dentro ou encarnada, os forros, as camisas e os fatos encarnados.. os modelos despiam os layers cinzentos ao mesmo tempo que andavam, as pessoas passavam na estação e não percebiam bem o que estava a acontecer… Depois, houve um interesse da Moda Lisboa e fui convidado a fazer parte do Workstation.
- Além de Portugal, estudaste em Londres e já trabalhaste em Paris. Quais as diferenças mais notadas entre os diferentes cenários de moda?
O contexto de Londres está ligado à minha experiência enquanto estudante e é uma experiência académica, talvez mais experimental e sem tanto constrangimento do mercado de trabalho. A experiência em Paris foi diferente, Londres é uma cidade criativa pela não restrição e Paris é uma cidade criativa por ser mais conservadora. Ambas têm influencias diferentes no meu processo criativo.
- De que forma é que cada cidade influenciou o teu estilo de design?
Paris, Londres e Lisboa contribuem para o meu processo criativo de diferentes formas, mas o que mais influencia são as pessoas que estou rodeado em cada cidade. Nesta última coleção, apesar da separação física e do não poder viajar, houve uma colaboração e um cruzamento criativo entre vários amigos e novas contactos em cada cidade. Depois do Natal, fui obrigado a ficar em Portugal por causa da pandemia, já tinha começado a desenvolver o trabalho em Londres e fui obrigado a continuar a partir de Portugal. Depois, fui obrigado a regressar em fevereiro para Londres onde tive que re-estabelecer novas colaborações. A pandemia enfatizou a ideia de comunidade nas várias cidades.
- Venceste o prémio L’Oréal Professionnel Creative, da Central Saint Martins, de 2021. Este reconhecimento acrescenta pressão ao trabalho a desenvolver?
Não acho que acrescente pressão, foi um ótimo reconhecimento do trabalho, o contínuo interesse pelos têxteis, técnicas artesanais e sustentabilidade. Mas sou demasiado insatisfeito para celebrar muito… gosto de começar a pensar nas próxima coisas.
- É frequente explorar novos códigos de género nas coleções. Acreditas que a moda deve ser disruptiva na descodificação de normas sociais?
As coisas são mais interessantes se a moda for disruptiva, mas é importante saber contra quê que se está a ir contra. A ideia de disrupção deve também estar ligada à aos valores enquanto designers..
- Um dos principais traços das tuas peças passa pela reutilização de tecidos e aposta em novas técnicas têxteis. Qual o papel da exploração têxtil no teu trabalho?
A minha formação inicial é têxtil. Naturalmente, tenho sempre curiosidade em fazer novas experiências têxteis, estudar técnicas ancestrais e conhecer o trabalho de artesãos… faço bastantes experiências independentemente do conceito da coleção, vou desenvolvendo uma biblioteca de experiências têxteis que quando acho que fazem sentido desenvolvo-as dentro da coleção.
- Preferes trabalhar com técnicas artesanais ou optar pela exploração de processos mais mecânicos e tecnológicos?
Os dois. Tenho muito interesse especialmente quando os posso cruzar. Um dos desenvolvimentos têxteis chave desta última colecção, foi a colaboração Ritex Lab. Já algum tempo que explorava a técnica de re-aproveitar os desperdícios têxteis, mas com eles foi possível aumentar a escala de produção. Grande parte do processo é feito manualmente, desde a escolha dos desperdícios, a criação do patchwork, depois o processo final é feito numas máquinas de bordados e o finishing do tecido é feito manualmente.
- Quais são as tuas principais referências no mundo da moda?
São muitas, desde Jean Paul Gaultier, Christian Lacroix, Undercover, mesmo o próprio Margiela e Galliano para quem trabalhei. Interesso-me muito por peças históricas e faço muita pesquisa em arquivos de Museus. Tive a oportunidade de aceder aos arquivos do Museu Nacional do Traje, em Lisboa, e de tirar os moldes de várias peças. Foi uma excelente oportunidade!
- Da desconstrução de silhuetas do passado a criações que são uma janela para o futuro, as peças são muito variadas. Inspiraste mais no passado, no presente ou no futuro?
Nos três, perceber e referenciar o passado, estar a par do que passa no presente e pensar no futuro.
- Como é que achas que vai ser o futuro da moda?
Pela possibilidade de haver muitos futuros.
- Se puderes deixar um legado no mundo da moda, qual gostarias que fosse?
O maior legado possível seria um trabalho com boa consistência a continuação do meu interesse pelo têxtil.
Texto de Daniel Bento para PARQ #70 , Junho 2021 PARQ_70.pdf (parqmag.com)