texto de Carlos Alberto Oliveira

Chegados ao décimo terceiro disco de estúdio, os tindersticks surpreendem mais uma vez com Distractions. Despiram-se das orquestrações habituais e abraçaram o minimalismo e a maquinação dos elementos musicais. Apesar de Stuart A. Staples advogar não se tratar de um disco sobre o isolamento provocado pela pandemia que, em todo o mundo, assola os nossos dias, a verdade é que a solidão e a melancolia estão presentes mais do nunca. Já com uma longa carreira, e com amor confessado pelo nosso país, ouvir este novo disco, faz-nos sentir que recebemos velhos amigos em casa, com novas histórias, e isso sabe-nos bem.

É evidente que o espírito dorsal da banda se mantém. As melodias são intimistas, melancólicas e extraordinariamente densas. Na realidade o disco apenas contém sete canções e três delas são versões de outras bandas. Mas os quatro temas originais são um extraordinário contributo para a sua longa lista de canções intemporais.

O disco abre com o minimal “Man Alone (Can’t Stop the Fadin’)”, assente num poderoso baixo e em loops que fazem parecer ser de um velho teclado Casio. O tema foi também o seu primeiro single, e os seus onze minutos ditam desde logo a premissa da mudança que a banda operou neste álbum. A repetição da letra e a inclusão do som da chuva revelam uma densa melodia e uma aglutinante melancolia.

O tema seguinte, “I imagine You”, revela uma desarmante canção, rica em sussurros fantasmagóricos. A música cola-se ao spoken word e conduz-nos pelos corredores de uma história. Como se da banda sonora de um filme se tratasse. E abraça-nos com uma leveza estonteante, mas ao mesmo tempo extraordinariamente densa.

As versões dos temas de outras bandas são apresentadas de seguida com “A Man Needs A Maid” de Neil Young, que conta com a colaboração de Gina Baker, sua habitual colaboradora. A juntar aos sentimentos de solidão da música original a banda criou ambientes eletrónicos, que nos remetem para paisagens desenhadas por Angelo Badalamenti. Como se estivéssemos num fumegante clube noturno.

Por seu turno, a versão de Dory Previn “Lady With The Braid”, alimenta-se de referências Soul, entrosada com uma textura que cruza os tradicionais elementos orquestrais e batida eletrónica. O desespero e a solidão são, ainda, tratadas aqui com uma extrema ternura, numa mistura de sons ao estilo Dub, teclados e guitarra post-punk.

Finalmente a nova roupagem para o tema dos Television Personalities “You’ll Have To Scream Louder” assenta num funk sedutor, com a guitarra a evocar Niel Rogers. A música floresce ainda mais escorreita e elegante com os órgãos e o baixo a contraporem. Esta será provavelmente a música mais politizada do disco.

E eis que entramos na reta final de Distractions. Ao piano e a cantar em francês “Tue-Moi” é uma ode às vítimas que padeceram no famoso clube parisiense Le Bataclan, sala de espetáculos que sofreu um ataque bombista terrorista em 2015, e que foi tantas vezes palco da banda. Trata-se de uma poderosa e comovente balada imbuída de uma raiva contida e profunda tristeza.

“The Bough Bends” encerra o álbum com fortes exalações a iniciarem canção, sendo suprimidas por spoken word, numa narrativa que parece ser saída de um filme. A vocalização, quando chega, envolve a melodia num longo e sentido abraço. Como se todo o desalento, preso até então, se esvaísse, finalmente, do peito.

Distractions é provavelmente o álbum mais heterogéneo da banda, na medida em que cada música tem uma identidade própria e que poderia subsistir por si só. Embora nascido em tempos de desespero, o álbum não é um retrato deste tempo. Mesmo que os temas possam de certa forma evocar a solidão, a melancolia, o distanciamento emocional e físico das pessoas, na verdade a banda retrata-os vezes e vezes sem conta na sua já longa carreira. No entanto, nas mãos dos Tindersticks, nunca a tristeza foi tão bela.