Maarten De Ceulaer foi contactado em Bruxelas, para uma pequena entrevista. O lugar para a conversa poderia ser em um qualquer café ou esplanada, virados para uma praça ou jardim da cidade, mas o designer surpreendeu com a sua simpatia deliciosa ao convidar para aparecer no seu atelier, situado no coração da cidade. À chegada esperava um café e umas largas janelas com vista para a cidade. Ao contemplar a vista uma longa luz dourada perpassava as vidraças, e os edifícios evidenciavam o seu brilho, devido à cor acinzentada do céu, que é permanente na cidade. Ao longe o Atomium, prateado, conferia um ar de modernidade ao horizonte. Lá fora o ambiente é de trabalho, uma cidade que pulsa, e parece não dormir. A oportunidade era única. Por fim ver as peças, in loco, entre conversas, era o ideal para conhecer o trabalho do designer.
A primeira pergunta consistia em debruçar a atenção sobre várias peças de Maarten e de como assumiam uma propriedade acentuadamente modular.
MC – Após Balloon Bowls, um mês ou dois depois da exposição em Milão, pensei seriamente em fazer peças de mobiliário maiores, mais complexas, mas eu gosto de fazer todas as coisas no meu projecto. Nas peças “Suitcase pieces” não podia fazer tudo e dessa forma o projecto Balloon Bowls foi realmente libertador. Então pus-me a pensar o que poderia fazer sozinho. Não sou um grande perito em carpintaria, não sou um grande perito em serralharia, não sou um grande estofador. Então perguntava a mim mesmo como poderia fazer um sofá sem ser perito em nenhuma destas áreas. As coisas surgem de forma espontânea. Assim que tivesse os conceitos na minha mente, de como fazer mobiliário que parecesse com vírus, bactérias, moléculas, ou um aspecto mutante, começaria a pensar de como os poderia fazer sozinho, sem precisar de mais ninguém.
Gosto da actividade escultórica, começa-se do zero, de uma estrutura quadrada vazia, ou de uma forma orgânica, que cresce organicamente do nada, insere-se uma bola aqui, inserem-se duas bolas ali, achamos que a estrutura ainda é pequena, então colocamos mais, e estrutura começa a crescer. É todo um processo de reflexão, que me agrada bastante.
Parq – Em “Drawers”, como em muitos outros trabalhos seus, a quantidade parece dominar, há muito de serial neles todos. Muitas gavetas, muitas bolas, umas grandes, outras pequenas. Muitas dessas peças surgem agrupadas, coladas. De Ceulaer repete-as. Manifesta uma linguagem comum em todas elas.
MC- Sim, é como em “molecule lamp”. É um candeeiro feito de moléculas separadas. Tratou-se de um projecto de curso. São sobretudo pequenos elementos que se repetem um certo número de vezes e que depois se tornam objecto.
P – A mesma linguagem,
MC – Sim, a mesma ideia.
P- A mesma agregação.
MC – Sim. Gosto desta maneira modular de trabalhar.
P – Há designers que, quando começam, têm aquela ideia, pensam somente naquela peça, naquele ideal, como objecto. Como um todo. O que interessa é o resultado final que idealizaram, que imaginaram inicialmente. Perseguem uma forma. E depois trabalham-na, esculpem-na, em peça única, única no sentido de forma, isolada, fechada, que deixa pouco campo para os outros a modificarem, pouco campo para lhe darem outro cunho. E MC tem uma forma singular de projectar as coisas que é muito social, “tenho isto, tenho aquilo, e mais aquilo, mas posso juntar todas as coisas ou deixá-las simplesmente isoladas”. Que podem existir sozinhas, como objectos, de forma autónoma. MC Deixa-as em aberto, para que outros possam escolher a sua forma de interpretação final. Não impõe nada ao utilizador.
MC – Gosto de pensar que somos todos diferentes, e de que todos temos diferentes necessidades. Por isso gosto de desenhar sistemas modulares que me permitam criar qualquer coisa que seja única, para todos. Este candeeiro pode ter os tamanhos que eu quiser, e o mesmo acontece com “suitcases”, ou com as peças “Mutant pieces”, entre outras coisas.
Tento imaginar qualquer coisa, isto ou aquilo, e graças a isso, posso fazer qualquer coisa que seja única para toda a gente. Qualquer coisa de único e de diferente.
P- É possível com os sofás?
MC- Sim, porque posso fazer com que o sofá se adeque ao cliente. Um pouco mais longo aqui, um pouco mais alto ali, porque o cliente é alto, ou porque o cliente é pequeno.
Posso fazer com que o sofá se adeque a cada pessoa.
O mesmo acontece com o room devider, falamos novamente de sistemas modulares. O projecto room devider, que agora desenvolvo, é feito de placas de madeira e de faixas em tecido. E as propriedades modulares destes elementos permitem que esses sistemas se tornem mais longos ou mais pequenos, arquitetonicamente, e conforme o desejo de cada um, essa é que é a ideia.
P – O Projecto Room Devider, esteticamente, não parece imediatamente percetível, ou de fácil compreensão, à partida.
MC – O projecto Room Devider está a ser desenvolvido para a editora Fendi. Podem ser misturadas faixas, podem ser unidas. São flexíveis. Podem ser aplicadas de diferentes maneiras.
P- Criar formas diferentes.
MC – Sim, de fácil transporte. Há placas e faixas, que podem alongar ou diminuir, podem mudar a cor. Toda a gente pode criar a sua versão de room devider.
O projecto era para a editora italiana Fendi, e a editora deu-me o briefing deles. O dossier era bastante denso, com a história toda da editora, o seu background e onde iam buscar a inspiração, as cores, o uso dos materiais. Eu tinha que aparecer com um conceito, e tinha que me basear no têxtil Pekin, um padrão de riscas, por exemplo: de castanho e preto. É muito difícil trabalhar a partir de um conceito destes. Então eu surgi com a ideia de uma linha. Comecei a pesquisar onde a Fendi ia buscar a sua inspiração, às formas geométricas e abstractas do Futurismo e da Bauhaus, De Stjil, Mondrian, Van Doesburg. O que eles todos faziam era desenvolver padrões bidimensionais. Eu resolvi aproveitar este conceito e desenvolver padrões tridimensionais. Padrões que pudessem ser aplicados em objectos, e assumir formas no espaço. Não queria fazer algo chique, mas algo que fosse conceptual. De maneira que pudesse ser aplicado em qualquer lado, em caixas, em soalhos.
Gostaria de fazer algo que pudesse crescer por si próprio.
P – Multifuncional? Em diferentes identidades e diferentes propósitos?Como em todos os outros trabalhos?
MC- Sim, de certo modo, como todo o meu trabalho. Não tem sido um grande êxito comercial ,ainda, mas combina na perfeição com um projecto de arquitectura.
P – Um projecto que poderia ser usado em espaços para crianças brincarem.
MC – sim, porque não…
P – O projecto pile of suitcases. Parece funcionar como um centro onde todas as outras coisas de Maarten se desenrolaram depois, a mesma paleta de cores
MC – Sim, reconhecem-se as cores. Foi feito de propósito, porque quis ter uma linguagem que fosse imediatamente reconhecível.
P- Aquando do projecto “suitcases”, estava em Eindhoven?
MC – Sim, estava
P – Seria um designer diferente se não tivesse passado pela Academia de Eindhoven
Sim, seria. Eles conduziram-me na direcção certa. Fizeram-me pensar, repensar. Foram muito exigentes com os estudantes. Antes estava a palmilhar caminhos. A propriedade modular sempre fez parte do meu trabalho, e os professores da academia nem sempre compreenderam. Estava um pouco perdido e eles guiaram-me. Guiaram-me nos materiais, por exemplo. Nem tudo eram conceitos. Ajudaram-me a pensar em diferentes camadas do design.
Eindhoven tem bons professores que nos ajudam a pensar sem analisar demasiado. Gostam de despertar uma visão mais sensível e calorosa do design. Também havia muita competição, o que era bom para mim, de certo modo, mas duro. O que já não era possível encontrar na Belgica. Se um estudante se formar na Belgica, ninguém vai dar por ele, mesmo que o seu trabalho seja bom. Eindhoven estava demasiado exposta, estava a pensar no sucesso de Maarten Baas.
P – De Ceauler foi premiado com o Prémio de Henry van de Velde, Jovem talento do ano. Como se sentiu quando recebeu a notícia?
MC – Foi bom, antes disso tinha a sensação que na Bélgica as pessoas não sabiam muito bem o que estava a fazer, mas em simultâneo eu já estava representado nas feiras em Milão, Miami, Basel. Na Bélgica ninguém parecia conhecer-me, e este prémio foi uma forma de dizer: “ok, continua”. É uma boa motivação.
P – O reconhecimento?
Sim, um reconhecimento.
P – E as séries Grid, que tem a dizer sobre elas?
MC – A série Grid apareceu com a ideia de estar, tudo á nossa volta, progressivamente, a transformar em virtual, em digital. Há coisas eletrónicas por todo o lado e para onde quer que nos viramos. Para onde quer que se vá temos dispositivos electrónicos nas cadeiras onde nos sentamos, ou microfones nos nossos casacos. Queria concentrar-me nesta ideia, de transformar o que é natural, como um pedaço de madeira, numa coisa digital, virtual, como um cyborg. O projecto Grid procurou transmitir esta ideia artificial, exactamente como na realidade virtual.
Para mim isto é como se trabalhássemos com um computador.
C – Pequenas camadas, layers?
Sim, com divisões, interações. Não sei se consegui, mas tentei criar um objecto que parecesse estar a transformar-se em, algo. Do natural ao virtual, digital. Por isso é que o objecto tem, no seu interior, algumas leds, que podem ser programadas, e o seu movimento escolhido. Sã esculturas de luz e não candeeiros. Esculturas de luz, numa combinação de madeira com leds.