Texto por Rui Miguel Abreu

SAMPA sabe que pensar local, sem esquecer a sua cultura, a sua herança e a sua cor, é o melhor caminho para conquistar o futuro.

Sim, é mulher como ROSALÍA . Sim, é negra como BEYONCÉ . Mas também é africana como MIRIAM MAKEBA , nascida na Zâmbia, e emigrante criada no Botswana que agora vive em Melbourne, na Austrália. Ah, e com uma editora londrina, a Ninja Tune. De onde é, afinal de contas, SAMPA? No interlúdio “Wake Up”, uma voz gravada com o atendedor de chamadas, confessa: “I don’t even know where you are…” Ela está, na verdade, a caminho de casa , parece dizer-nos em The Return, contagiante mescla de hip hop, afrobeats, neo-soul, jazz, electrónica, r&b e algo mais, tudo combinado em proporções que não se encontram em mais lado nenhum. A não ser na sua cabeça.

SAMPA falou com A L E X A N D R E RIBEIRO do Rimas e Batidas sobre tudo isto: “A capa foi feita na Zâmbia. Estou sentada em frente a uma habitação que remete para “casa”, o grande tema que liga o álbum”, explica a artista, revelando, afinal de contas onde se encontra, pelo menos espiritualmente. “Como já disse noutras entrevistas, eu comecei a minha carreira na Austrália e descobri que estar longe de casa cria uma sensação de deslocamento. Quando discuti isso com os meus amigos e familiares, ficou claro que muitos de nós passam por esse sentimento de nos sentirmos deslocados. Ainda mais se não puderes voltar a casa; ou até podes estar no teu sítio e não te sentires em casa. Por essas razões, o assunto “casa” tornou-se um tópico central e questões como “onde é que é a nossa casa?”, “o que é realmente casa?” e “podemos criar um sítio que sintas como casa dentro de ti próprio? foram-se levantando durante a construção do disco. Por isso, achei que era importante pôr uma casa na capa, já que é sobre isso que fala”.

Estamos em 2019 e SAMPA THE GREAT não sente, como tantos/as outros/as artistas no presente, necessidade de fingir que é americana ou europeia. A sua singularidade, a sua particular experiência, é a fonte da sua arte: “Eu acho que o que liga a Diáspora africana é a nossa cultura, e essa cultura está cravada na minha música. Eu sei que essa conexão está lá. Estando ligados pela música e cultura, nós, os africanos, vamos reagir a isso onde quer que estejamos no mundo. Temos o exemplo do género afrobeats, que vem da cultura nigeriana, mas que é abraçada por todos. Eu acho que viajar ajudou a isso porque estive em diferentes sítios e vi que a Diáspora dança a mesma música que dançamos em casa. No fundo, ajudou- -me a perceber que essa ligação existe a um nível global”.

A voz de S A M PA —a sua personalidade, o seu timbre e grão, a sua tessitura, a sua entrega e elasticidade— é, af inal de contas, o grande trunfo deste The Return: ouvi-la é escutar um incrível instrumento, capaz de enormes subtilezas, em que nos podemos perder tranquilamente, seguros que nos reencontrarmos sempre, pois na sua execução reconhecemos a classe familiar dos grandes artistas a que regressamos com frequência. E se calhar podemos ler assim também o título deste primeiro registo de longa duração oficial de SAM PA TH E GREAT: um regresso que vamos querer ensaiar muitas vezes, como quando voltamos a casa para nos rodearmos do que amamos, do que é familiar e nos oferece o conforto sem que não sabemos viver. É isso: a voz de SAMPA soa a casa. E não há melhor elogio do que esse…