Texto por: Jéssica Lima

Este é o projeto que Preenche Vazios, literalmente. Não se admire se for na rua e encontrar os mais bonitos azulejos com mensagens de autores portugueses, estes fazem parte do projeto da designer Joana de Abreu, licenciada em Arte e Design para o Espaço Público pela Faculdade de Belas Artes do Porto. 

Joana de Abreu sente-se privilegiada por trabalhar naquilo em que realmente acredita e a faz feliz. A paixão pelos pequenos detalhes que diariamente cativam o seu olhar, fê-la criar o projeto que hoje se orgulha de expor nas ruas da cidade, o Preencher Vazios.

JL: Como surgiu o projeto Preencher Vazios?

JDA: O Preencher Vazios surgiu com o intuito de preencher os espaços vazios das fachadas das casas e edifícios das nossas cidades em 2015, no âmbito do meu mestrado na FBAUP. O projeto pretende chamar, atribuindo pequenas mensagens de autores portugueses, e tem como objetivo chamar atenção para os pequenos detalhes que nos rodeiam diariamente, e surpreender os transeuntes com algo que não estavam habituados a ver durante o seu percurso.

JL: O nome do projeto demonstra uma vontade. Qual é o objetivo deste projeto?

JDA: O objetivo principal é que olhem para a nossa cidade com olhos críticos e com vontade de a mudar, no que diz respeito ao nosso património. É preciso educar as pessoas para a preservação do azulejo. É preciso intervir nas fachadas que com o passar dos anos mais degradadas ficam. Muito mais que uma intervenção artística, o projeto pretende chamar à atenção para a necessidade de preservar o património azulejar português que tem sofrido uma perda progressiva de azulejos nos últimos anos. 

JL: Qual é o processo até chegarmos ao resultado final. Como se realiza a escolha do local onde vai atuar, as cores, as frases…

JDA: Sempre que vejo um vazio numa fachada faço o seu levantamento para mais tarde intervir nela. Intervenho no vazio onde outrora estiveram colados azulejos, mas que com o tempo acabaram por cair ou foram furtados.

Coloco peças de madeira, a que chamo de ” meus azulejos”, sempre com o mesmo padrão dos azulejos da fachada mas com cores diferentes, para criar um contraste visível de tempos, entre o passado e o presente, e para ser bem percetível esta diferença entre o que é antigo e o que é novo.

Estas intervenções são de carácter efémero pois com o tempo vão acabando por desaparecer. Utilizo sempre frases de autores portugueses para criar uma arte poética, e para que, mesmo inconscientemente, as pessoas continuem a fazer o seu caminho mas a pensar sobre aquela mensagem que se cruzou com elas. 

JL: Tem uma equipa ou trabalha sozinha?

JDA: Muitas pessoas pensam que existe uma grande equipa por detrás do Preencher Vazios que anda por várias cidades a intervir. Mas não! Sou a única responsável pelo projeto a trabalhar no meu próprio atelier que fica na baixa do Porto (Rua de Santo Ildefonso, 85). Sou eu que planeio todas as intervenções e as vou colocar. Assim como sou eu que vou desenvolvendo novos produtos e os ponho em prática. Porque o Preencher Vazios tem muitas outras áreas em que atua para rentabilizar o seu trabalho. Neste momento as intervenções pelas cidades são uma forma gratuita de eu divulgar o meu trabalho e de mostrar às pessoas o Preencher Vazios. Porque nunca tive nenhum financiamento para intervir pela cidade. Continuo a fazê-lo por iniciativa própria e porque acredita que é um trabalho que tem imenso valor e potencial. Não é apenas uma intervenção artística, é também um trabalho educacional, social e de desenvolvimento comunitário. O Preencher Vazios também atua em outras áreas para promover a estimulação sensorial e as diferenças em sociedade. Através de workshops quer em escolas com crianças, em centros de dia com idosos, com empresas e diversas entidades, trabalhámos em várias áreas para promover a educação artística e social e também mostrar de que forma o Preencher Vazios consegue ser um projeto amplo e com inúmeras áreas de implementação.

JL: Porquê a escolha da madeira enquanto material base e não a tradicional cerâmica? 

JDA: Quando faço as intervenções não quero arranjar solução para este problema, mas sim chamar atenção para ele. Para que o proprietário ou alguma entidade se debata sobre este problema e actue. Por isso, pretendo manter esta diferença de materiais. Porque não quero que o meu trabalho se assemelhe aos verdadeiros azulejos, quero que ele se funda na fachada mas com a sua personalidade. E porque também acho muito interessante ver o que o tempo faz às peças – o desgaste. Assim como todos os azulejos têm a sua memória, cada casa tem as suas pessoas, as minhas peças contam uma história ao longo do tempo. 

JL: Já realizou quantas intervenções?

JDA: Já perdi a conta… mas talvez chegue às 100 este ano!

JL: O Instagram do projeto têm 12,5m de seguidores, podemos afirmar que as pessoas estão a adorar a ideia.

JDA: O Preencher Vazios é um projeto muito acarinhado e sinto que as pessoas gostam mesmo dele. 

Vejo isso pelas mensagens que recebo. O trabalho de um artista só ganha “vida” quando é realmente visto e apreciado por outras pessoas. A partilha é fundamental. E o meu trabalho só faz sentido quando partilhado com aqueles que o acompanham.

E claro, o Instagram é uma ferramenta de trabalho muito importante para a partilha do meu trabalho e para que este possa chegar a amais pessoas também!

JL: Onde se podem encontrar azulejos? Apenas no Porto? 
JDA: O projeto começou no Porto, mas rapidamente se instalou também em Lisboa e Braga. E sempre que viajo para fora de Portugal levo comigo algumas peças para deixar noutras cidades, onde a frase está sempre em português e com a tradução para a língua do país em questão. É uma forma de levar o projeto a novas comunidades. 

JL: Pretende expandir-se pelo país inteiro? Qual é a próxima cidade escolhida para espalhar um pouco mais de magia e beleza? 

JDA: Poder trabalhar em novas cidades é sempre uma nova oportunidade e levar a experiência que o Preencher vazios oferece às pessoas é também uma nova forma de olharmos a cidade e aprendermos a observá-la de outras formas. 
Há imensas cidades onde o meu trabalho faz sentido atuar, nomeadamente Ovar, que é a Capital do Azulejo.

JL: Nunca pensou fazer noutras cidades para dar a conhecer o projeto a mais pessoas e lhes transmitir o gosto por dar um brilho a cada canto da cidade? 

JDA: O meu objetivo é poder intervir por Portugal inteiro. Por isso é que também acho interessantes as pessoas que já conhecem o projeto e o acompanham pelas redes sociais poderem fazer parte dele também. Sempre que alguém vir um vazio e se lembrem do Preencher Vazios, basta tirar fotografia à fachada e enviar para mim essas informações. Juntos, podemos intervir nessa fachada! E desta forma podemos intervir em mais cidades de uma forma dinâmica.

JL: Para além de encontrar os azulejos nas paredes, as pessoas podem ainda adquirir ímans, e agora devido à pandemia máscaras. É uma forma do projeto se reinventar?

JDA: O Preencher Vazios tem vários produtos de merchandising para rentabilizar o projeto. Porque não tenho nenhum financiamento para intervir na cidade, portanto desenvolvi uma série de produtos associados ao projeto. Senti que a época de quarentena foi uma oportunidade para repensar prioridades enquanto artista e empresária. É altura de investir naquilo que nos faz felizes e acreditamos. Olho para o covid-19 como um momento de reflexão no meu negócio para se reorganizar e se adaptar a estes novos tempos.

As encomendas personalizadas foram muito requisitadas, as pessoas começaram a investir mais nas suas casas e a tentar tirar mais partido delas.
Os azulejos dos “Vão ser tantos os abraços que não vão chegar os braços” foram a peça/frase essencial deste ano. As pessoas aderiram imenso e enviavam como presente para amigos e familiares! E claro, as máscaras também são um produto muito requisitado! Se temos de as usar, que seja com um padrão colorido e alegre!

JL: De que forma é que as pessoas podem ter trabalhos seus nas suas casas?

JDA: O Preencher Vazios também desenvolve painéis para o interior das casas, aliás é o trabalho mais requisitado. O cliente pode escolher o padrão, a frase, a forma e o tamanho do painel, e é um trabalho desenvolvido em especial para aquele cliente, pois trabalho com uma fotografia do espaço para que seja mais fácil decidir a opção final. Ao encomendar um painel personalizado é uma forma de apoiar o meu trabalho e as intervenções pela cidade.

Qualquer pessoa que tenha interesse em ter um trabalho meu na sua casa pode contactar-me pelas redes sociais ou por e-mail.

JL: Preenche apenas espaços vazios em casas desabitadas? No caso de preencher habitadas também… Como reagiram os moradores à ideia? 

JDA: Sempre que faço as minhas intervenções faço-as à luz do dia. 

Faço-as para que as pessoas possam assistir ao meu trabalho e para que também possam intervir e falar comigo.

Intervenho em casas devolutas como em casas habitadas, mas sem nunca pedir autorização de forma formal. Se vir que está alguém na casa digo que vou colar os azulejos que faltam e como é uma intervenção efémera, passado algum tempo eles desaparecem.. Porque se tiver que pedir autorização a quem lá mora, a resposta é quase sempre a mesma – “que não é nada com eles, tenho que falar com o proprietário da casa ou com a Câmara” e isso envolve diversas burocracias e tempo. Assim também é engraçado surpreender quem mora na casa! Se não gostarem do meu trabalho, é muito fácil de retirar! 

JL: Alguma vez um polícia a abordou por estar a colocar azulejos em alguma fachada? Se sim, conte como foi.

JDA: A polícia não, mas já tive muitas pessoas curiosas com o que eu estava a fazer.
Muitos passam, ficam a olhar, mas nunca falam comigo. Eu tomo a iniciativa e explico-lhes qual a minha intenção. 

Mas houve uma história engraçada em Lisboa, com uma senhora  que estava sentada à janela de um 5º andar e me viu a “mexer” na fachada e gritou lá de cima: “Oh menina! O que está aí a fazer?”

Eu cá de baixo tentei explicar-lhe o que ia fazer, e pedi à senhora a descer para falar comigo.

Ela explicou-me que 15 dias antes tinham arrombado a porta desse prédio devoluto e através de todas as janelas  roubaram 450 azulejos.

Daí ter intervindo quando me viu ali parada a mexer na fachada, pois achava que estaria a roubar azulejos.
No fim da história acabou a colar os azulejos comigo!

JL: Os seus workshops em que consistem, quando começam, quando acabam e onde são? 

JDA: No dia  15 de Agosto voltei a fazer workshop no Porto e conto fazê-los com mais regularidade a partir de agora.

O workshop consiste em dar a conhecer toda a história do Preencher Vazios, e  em conjunto desenvolvem as peças para depois irmos colar nas fachadas a intervir (previamente escolhidas). Pelo caminho, também passamos em intervenções que já coloquei para verem o processo do tempo na peça. 

No Porto os workshops são feitos no meu atelier, onde podem acompanhar de perto todo o meu trabalho e têm um limite máximo de 4 pessoas. 

JL: O que podemos esperar do projeto no futuro?

JDA: O Preencher Vazios é um projeto que não pode acabar. Porque tem uma mensagem muito forte que tem de continuar a ser transmitida.

Muito mais que um projeto artístico, também tem uma vertente educacional e cultural. 

Por isso no futuro espero poder continuar a intervir nas fachadas das nossas cidades e começar a desenvolver os workshops com diversas entidades para promover esta questão da preservação do nosso património. 

A força de preencher todos os espaços vazios não acaba. Você pode fazer parte deste projeto através dos workshops, ou na compra de painéis para o interior das casas. Pode contactar a Joana de Abreu através do seu email preenchervazios@gmail.com ou preenchervazios no Instagram.