Texto de Carla Carbone
O Homem sempre olhou a natureza através do filtro dos seus olhos. Atribuiu aos outros seres vivos uma posição secundária no que diz respeito ao direito à vida, e ao reconhecimento da sua dor.
A sua visão antropocentrica permitiu que, durante gerações e gerações, se generalisasse a ideia de que a natureza nos pertencia, e que podíamos decidir por ela. Com o rasto deixado pela pandemia estamos, talvez, além dos efeitos climatéricos e do aquecimento global, a chegar à conclusão que, não só a natureza não nos pertence, como somos nós que pertencemos a ela, e estamos sujeitos às suas leis primordiais, largamente mais misteriosas e grandiosas do que as nossas. Como podemos observar na intrincada raiz de eucalipto, e no seu iridiscente raiar, que mais não faz do que relembrar a qualidade autodeterminada da natureza.
Em uma leitura recente Boaventura Sousa Santos evocava “Los Caprichos de Goya” para melhor expressar os fundamentos da razão, e de como essa mesma razão era responsável pela construção de monstros. Monstros estes capazes de reduzir os outros seres vivos a meros gabinetes de curiosidades, ou wunderkammern, onde, ainda assim, inanimados, fariam as delícias dos seus proprietários. Muitas vezes por caprichos, outras por interesses científicos, mas frequentemente por vontade de poder e manifestação de domínio, traduzido em forma de troféus de caça.
A taxidermia é o modo, encontrado por André Ribeiro e Juan Carmona, para melhor traduzir a relação que os humanos têm vindo a estabelecer com a natureza. Natureza Morta, “Steal-life”, segundo a dupla de artistas, “é uma interpretação artística de interação humana com toda a matéria viva, ficando-se na exploração e numa falsa sensação de controle de poder que exortamos”.
A exposição foi desenvolvida, na íntegra, ainda antes da chegada da pandemia, mas não deixa de reforçar o debate, tão presente, sobre o encarceramento e exploração dos animais. Parecendo, por isso, ter-se invertido os papéis, sendo o ser humano, neste momento, o mais encarcerado dos seres vivos.
Por esse motivo vemos insetos pregados em caixilhos de madeira e debruados com matérias finas, como ouro, cristal ou prata. Alguns dos insetos foram acompanhados por lupas, a fim de satisfazer, ainda com mais profundidade, o nosso olhar voyer, ou potenciar, por meio do zoom, a morbidez dos nossos apetites. Podemos ver, sempre confortáveis e seguros, as variantes de espécies Chrysina resplendis, Eupholos chevrolati, Megaloxantha bicolor, Xilocopa sonorina, entre tantas outras. São evocados, também, paradoxais e obscuros poemas como “To-day, This Insect”, de Dylan Thomas, em que se destaca o verso: “The insect fable is the certain promise”.
Munoz Carmona Gallery, R. do Alecrim, 109, 1200-016, Lisboa telf +351 919 451 572
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