O Surf Desliza Contra as Ondas do Racismo e da Desigualdade de Género
Texto por Bernardo Semblano @bernardosemblano
Fotografias cortezia da Shutterstock
A Soma
Francisca Sequeira, uma jovem portuguesa que se mudou para São Tomé e Príncipe, acabou por denotar várias diferenças na forma como as meninas portuguesas e as meninas santomenses crescem. E, consequentemente, as oportunidades que lhes são apresentadas.
Apesar da sua riqueza natural e, imagem paradisíaca, São Tomé e Príncipe, é um local onde 67% da população vive abaixo do limiar da pobreza e apenas 34% das mulheres atingem o ensino secundário. Para além disso, o número de gravidezes na adolescência é muito prevalente (27%).
Surpreendida com um país em que as filhas são vistas como um recurso precioso para a lida doméstica, e sem colaboração masculina, Francisca sentia que ondas de mudança estariam por chegar e decide em 2020, fundar a SOMA (Surfistas Orgulhosas na Mulher D’África). As meninas apoiadas por Francisca e a sua equipa tornaram-se, então, nas primeiras de São Tomé e Príncipe a aprender a surfar.
Esta ONG portuguesa, ancorada em Santana, pretende empoderar estas jovens, para que estas se tornem mulheres independentes, com sucesso, donas de si e do seu próprio corpo. No fundo, a mensagem que se pretende transmitir é que a mente é muito poderosa e, que o contacto com o mar pode ajudar a sentirmo-nos mais unos e completos.
Como tal, a instituição tornou-se um porto seguro. Disponibilizando ferramentas como a psicoeducação (trabalho com as emoções e potenciais experiências traumáticas) e workshops sobre confiança, educação sexual e o papel da mulher na sociedade. Assim, a SOMA torna-se pioneira em terapia de surf, em África, exclusiva para raparigas. No entanto, os homens não são totalmente excluídos desta experiência. Como é o caso de Emerson Soares, ou Luisinho, que é um dos treinadores das jovens surfistas.
A falta de representatividade da mulher africana no surf no maior banco de imagens
Enquanto a SOMA desenvolvia as suas atividades e ia recrutando cada vez mais meninas, o banco de imagens Shutterstock Studios encontrou um desafio em termos de representatividade.
No fundo, a empresa, a pedido de um cliente um dia foi confrontada com a falta de imagens de raparigas, de origem africana, a praticar surf. Foi nesse momento que souberam do trabalho desenvolvido pela Soma e estavam dispostos a corrigir esta lacuna, tendo como aliados a Betclic, sempre preparada para contar histórias de desporto, por mais obscuras que estas sejam. Representantes das duas empresas visitaram São Tomé e Príncipe para conhecer estas jovens surfistas e os seus mentores mais de perto.
Acompanhados por máquinas de fotografar e de filmar, a Shutterstock conseguiu as fotografias que tinham em falta e a Betclic produziu um documentário – Surfing Through The Odds – que relata o dia-a-dia das jovens santomenses e das suas famílias.
Ambas as produções surgem como uma forma de gerar conhecimento sobre esta causa, mas também, de possibilitar a criação de fontes de rendimento mais sustentáveis para a SOMA. O valor da compra das fotografias geradas nesta primeira incursão junto das raparigas surfistas, que se encontram encontram disponível no banco de imagens da Shutterstock reverte para a Soma.
Surfing Through The Odd
No documentário, com uma duração de 18 minutos e meio, conseguimos dissecar o impacto que a ONG tem na vida dos residentes, nos mais diversos planos. Num país onde o mote é “leve, leve” é um choque presenciar raparigas a correr com as suas pranchas em direção à água. Até porque, algumas delas tiveram de superar o receio das ondas e das correntes. Esta surpresa comunitária é reportada nos testemunhos do documentário.
No caso das famílias das surfistas, vemos um pai e uma avó que consideram esta experiência muito positiva. Por um lado, o pai afirma que o bem-estar da sua filha, derivado do surf, fez com que os laços familiares se reforçassem e que as tarefas domésticas passassem a ser distribuídas duma forma mais equitativa e que inclui os homens. Por outro lado, a avó aplaude o facto de as jovens não darem tanta prioridade à maternidade, o que demonstra que estas pretendem construir um futuro sólido antes de engravidarem.
Em relação à equipa, Rita Xavier – SOMA General Manager – afirma que a maior lição que levantou com este projeto foi a urgência de estarmos presentes não só com o nosso tempo, mas também com o nosso coração.
Como é muito importante reforçar que devemos de ir atrás dos nossos sonhos, o documentário mostra as surfistas a conhecerem uma ilustre figura conterrânea. As jovens tiveram a oportunidade de falar com uma polícia que decidiu juntar-se às forças após episódios de violência doméstica por parte do marido. Apesar de ser uma história de força e de perseverança serve, também, como um aviso para que estejamos sempre atentos para situações de risco.
Atualmente, a ONG já fez com que 90 meninas se formassem e ajudaram Maura (13 anos) a sagrar-se campeã nacional de surf.
Como é que estas jovens santomenses pensam em si como indivíduos, e mulheres, após viverem esta experiência? Nas palavras de Wazimila Lima, ou Wazy, “o lugar da mulher é em qualquer lugar. Não é só na cozinha. Pode ser na política, pode ser no surf, no futebol, em qualquer lugar que ela quiser. A mulher deve ser valorizada.”
Assim, a SOMA tem mudado a sociedade santomense, uma prancha de cada vez.
Para mais informações sobre a instituição e possíveis formas de apoio, visitar www.somasurf.org