Entrevista por Francisco Vaz Fernandes

É o segundo álbum de Assa Matusse, que surge 8 anos depois do primeiro em condições muito especiais, num momento que está em residência artística em Paris. O álbum é disso reflexo, de um transito que vai desde as suas raízes moçambicanas aos sons e apoios tecnológicos que a influenciam. Daí que nessa dispersão o álbum traga 4 línguas de referencia – Português, Changana, Francês e Inglês – que traduzem as suas experiencias do momento.

 Teres-te mudado para Paris fazia parte de uma vontade de lançar uma carreira internacional?
Quando crio não penso em quem a minha música vai chegar mas quero que o máximo possível de pessoas se sintam tocadas pela minha arte. A internacionalização faz parte desse processo. Quero que pessoas dos quatro cantos saibam que em Moçambique há um povo que se chama Changana, quero que oiçam os seus ritmos, que conheçam o valor da nossa cultura e que a apreciem como ela merece. Seria também possível criar essa internacionalização a partir de Moçambique mas de forma não tão rápida e eu sentia que agora é o momento certo. Não quis esperar.
Sendo Paris uma cidade tão cosmopolita, onde é possível encontrar pessoas de tão diversas origens, a minha música não poderia ter uma melhor porta de entrada para o mundo. Além de que, estar noutras paragens possibilita-me crivar a minha música com elementos que a tornam mais apelativa ao apetite auditivo ocidental. Claro que há uma exigência da minha parte em manter a minha essência sonora e até visual inspirada nas origens Moçambicanas, porque faz parte de quem sou, mas por exemplo, antes de chegar a França, estive na Noruega onde criei bases para o meu primeiro álbum “+Eu”. Todas as minhas experiências nos locais por onde vou passando permitem-me incorporar alguma coisa que vai criar o diferencial na minha música. E esse elemento pode ou não ditar a chegada da minha música a novos horizontes.

– Como está a ser a recetividade do álbum em França e em Moçambique? Há perceções diferentes?
No geral, está a ser fenomenal. Apesar de haver muita competitividade, Paris é bastante  multicultural e a minha música tem sido muito bem abraçada pelo público. Fiz uma apresentação do meu novo álbum, “Mutchangana”, com casa cheia no New Morning, um espaço respeitadíssimo da cena Jazz parisiense. Foi fenomenal. Pisei o mesmo palco que nomes tão grandes quanto Chet Baker, Stan Getz, Art Blakey ou McCoy Tyner, com uma plateia super acolhedora que estava ali para admirar a minha arte mas sobretudo a música de Moçambique.
E em casa há todo um outro movimento coloroso em relação a este lançamento. Sou a “menina do bairro” que conseguiu levar a sua música além fronteiras. Eu volto com alguma regularidade a casa mas parece que o tempo nunca é suficiente para poder responder ao carinho do público e aceitar todos os convites que me são feitos tal é a vontade de me ver e ouvir. Claro que o facto de estar longe ajuda a criar essa necessidade mas o feedback que tenho das pessoas é que estão orgulhosas não só deste álbum mas da música que tenho feito no geral.

Focando agora o novo álbum. Quais são as mensagens que procuravas transmitir no conjunto do trabalho?
Antes de tudo, este meu álbum é uma homenagem ao meu pai. É graças ele que a música vive em mim e achei que estava na altura de o homenagear por isso. Depois, quis também criar músicas que espelhassem não só as minhas origens mas que também transmitissem uma mensagem de amor. Na minha etnia, Changana, não somos ensinados, de forma generalizada, a expressar os nossos sentimentos. Não falamos sobre amor, medo, dores, frustrações, seja com os pais ou familiares. E isto são normas sociais nocivas e cuja mudança depende exclusivamente da vontade de quem tem poder para mudar. O que é melhor do que a arte para mudar consciências e gerar mudança? É sobre isso que quero falar, sobre isso e na minha língua materna. O colonialismo reprimiu a minha cultura e quis aniquilar a minha língua. Hoje, quero exaltar as línguas nativas e todos os Bantus que por algum motivo foram impedidos de se expressarem nas suas línguas nativas.

Como foi o processo criativo? Já tinhas temas mais antigos compostos em Moçambique, ou foi pensado a partir do momento em que chegaste a Paris?
Iniciei a produção do álbum em Moçambique, com o apoio do produtor Dodo. Quando fui selecionada para a residência artística na Cité des Arts (Paris) partilhei a base do que tinha e acrescentámos novos elementos a partir da experiência da residência e dos artistas com quem trabalho.

Porquê escolher temas que são cantados em quatro línguas?
As línguas para mim sempre foram uma arte, então uso-as para fazer a minha arte. É assim que hoje me sinto. À vontade para dialogar musicalmente em Português, Changana, Francês e Inglês. Eu sou muito, muito, apaixonada por línguas, talvez por ter passado a minha infância só a ouvir e falar Changana (risos). Depois, com o tempo e possibilidades, fui tendo a oportunidade de aprender outras línguas. E isso comecei a despertar a necessidade de aprender mais e mais.
Estas quatro línguas presentes neste álbum não são todas as que falo, embora nas outras não seja tão fluente. Além de que, sem nunca pensar numa questão de aceitação, decidi assim também para incluir de alguma forma os que não percebem a minha língua, embora nunca tenha precisado fazer qualquer tradução da minha música.

Em que medida as tuas raízes estão representadas neste álbum?
 Estão representadas em grande nível. É uma medida muito alta, primeiro porque o Changana – xiChangana como dizemos em Moçambique -, e também os ritmos moçambicanos. Tenho dito ritmos africanos porque, em Moçambique, bebemos muito dos outros países africanos e vice-versa. Então sinto que as minhas raízes estão muito bem representadas neste álbum, até porque, no processo criativo, ouvi muito a banda Ghorwane, o António Marcos, entre outros artistas nacionais e internacionais, porque tinha vontade de misturar estes mundos e estes sons. Sem esquecer as melodias do meu pai, nas quais também me inspirei, porque sempre as carreguei comigo.