Entrevista por Patrícia César Vicente
Fotografia Joana Pereira @batata_casada

Esta entrevista é uma forma de intervenção, o Zé e o Jorge aceitaram porque fazem parte daquela metade do mundo que acredita que podemos ser melhores. E para sermos melhores temos de falar, temos de ser livres. Aceitarmo-nos tal como somos e neste caso sem máscaras.

PCV: Com que idade é que começaram a ter interesse por roupas femininas, maquilhagem, etc?

Jorge(Lola): Desde sempre que preferi roupa feminina. Lembro-me que desde os cinco anos que disse á minha mãe que queria ser eu a escolher a minha roupa. E ela disse-me: “Mas tu vais para a escola primária! ” E eu insisti, queria ser eu a escolher. Sempre gostei de roupa feminina porque só morava como a minha mãe e a minha irmã. Elas sempre foram a minha referência.

Zé(Rebecca): Sempre fui louco. Não com a idade do Jorge, mas sempre quis escolher a minha roupa. Parecia uma maluca mas…Sei que o Jorge sempre foi mais monocromático, eu sempre fui mais doida. Sempre tive mulheres à minha volta e sempre quis vestir roupas mais femininas.

PCV: Acham que isso foi uma influência?

Zé(Rebecca): Eu acho que sim.

Jorge(Lola): Veio da educação, quando somos pequeninos criamos os nossos ídolos. E os meus eram a minha mãe e a minha irmã. No meu caso tinha exemplos femininos e isso acabou por me fascinar. Não gosto do estereótipo de que os gays têm um mau relacionamento com o pai. Mas se os nossos ídolos são mulheres acabamos por apreciar mais esse género.

PCV: Pegando nessa questão de estereótipo. O facto de serem criados por mulheres ou maioritariamente por mulheres não fez de vocês gays, apenas aborda a temática das roupas e do universo feminino. A tua orientação sexual nada tem a ver com isso. Mas podemos falar disso?

Jorge(Lola): Seres homossexual tu nasces, ser ou não feminino é que evoluí com o tempo. Seres feminino é algo que tu aprendes ou não.

PCV: Como é que os vossos pais viam esse vosso interesse e com que idade é que começaram a sentir que de alguma forma eram recriminados?

Jorge(Lola): Eu acho que nós nem damos conta, às vezes está tão enraizado na cultura que só mais tarde é que percebemos o que é que as pessoas queriam dizer com este ou aquele comentário, ou com este ou aquele olhar. Mas está enraizado. Eu como sempre idolatrei a minha mãe e ela sempre foi muito protectora. A minha mãe sempre gostou que eu cuidasse da minha irmã, eu gostava de fazer roupas para a minha irmã. Mas ao mesmo tempo ela nunca gostou do que as outras pessoas pudessem pensar sobre mim. No entanto, ela achava bonita a minha relação com a minha irmã e valorizava-a.

Zé(Rebecca): Os meus pais tiveram um café durante muito tempo, enquanto estiveram juntos. A minha mãe sempre se preocupou imenso sobre o que os outros iam dizer, mas ela comigo sempre foi super ok. Tinhamos uma relação bastante forte e dava-me mais com ela do que o meu pai. Mas sempre vivi rodeado de mulheres.

PCV: Acontece muitas vezes, o núcleo familiar mais próximo aceita tudo e lida bem, mas depois acaba por ser aquela tia, tio, primo ou parente mais afastado que acabam por causar algum mal-estar…

Jorge(Lola): Sim, é verdade. Principalmente os elementos masculinos, no meu caso. O que é feminino era visto como sendo mais fraco. Mas eu sempre tive resposta. Diziam coisas como: “O meu amigo está a ver-te…porque é que estás a fazer esse gesto? Porque é que te vestes assim? Porque é que andas dessa maneira?” Eu como sempre vi o lado feminino como algo forte, não queria saber do que eles diziam ou pensavam. Como todos nós temos um lado egocêntrico, os elementos femininos quando me viam a ter um gesto parecido com o delas, era uma forma de elogio e protegiam-me. Agora aquilo a que é chamado de masculinidade tóxica é quando percebem que através dos nossos gestos e atitudes nós não os adoramos, nem os vemos como o sexo forte.

Zé(Rebecca): Como estás rodeado de mulheres como há pouco falávamos, acabas por ver a mulher como o sexo forte, é a figura mais imponente até. Eu sempre fui muito magro, sempre tive o rosto mais fino e uma vez quando eu tinha cerca de dez anos, estava numa reunião de família. Estava imensa gente na casa de uma tia mais velha e quando ela me viu perguntou: “Quem é esta menina?” E a minha mãe disse-lhe: “Tia, este é o Zezinho.” Era assim que me tratavam. E ela respondeu: “Tu és demasiado bonito para seres um rapaz!” E eu senti que foi um elogio, mas a minha mãe ficou incomodada com a pergunta

PCV: Ao longo da infância e adolescência, qual foi a parte menos boa? Ou o momento menos bom que gostavam de mudar?

Zé(Rebecca): Eu gostava de me ter descoberto mais cedo. Acho que tinha sido mais feliz. Tinha sido mais livre, acabas por não viver a 100% e hoje que estou à vontade com a minha vida, sinto que não preciso de esconder nada. Na minha adolescência sempre fui mais agressivo, ripostava quando me atacavam. Eu cresci na margem sul e na margem sul ou tu arranjas defesas ou então não tens hipótese. E eu sempre fui agressivo a todos os níveis. Era escusado tentares atacar-me porque eu virava-me sempre. Tem tudo a ver com a nossa educação e as nossas vivências.

Jorge(Lola): Só me preocupo com a minha mãe, ela teme que eu fique triste por aquilo que as pessoas me dizem. Mas eu não fico, eu sei que ela fica preocupada comigo. Não gosto que ela tenha essa preocupação. Eu estava sempre a pensar que não podia fazer nada que deixasse a minha mãe preocupada. Eu sofri de bullying sim, mas nunca me senti à parte. Sempre tive amigos e pessoas que gostavam de mim, que sempre me adoraram por eu ser quem sou. Eu nunca precisei de me isolar, sempre tive alguém que me apoiava. Desde pequenino. Eu sempre tive o dom da palavra. Só bati uma vez num primo, numa noite de Natal porque ele passou a noite a gozar comigo. Avisei-o três vezes, até que lhe dei um pontapé e ele caiu m cima da mesa de Natal. Desde pequenino que percebi que a palavra tem muito mais força do que a violência. As pessoas muitas vezes são fracas, quando confrontas uma pessoa, ela perde porque não tem argumentos. Quando me diziam: “Corres como uma mulher…” Eu respondia: “Mas ela corre tão bem, por isso é que quero correr como ela.” E eles perdiam força, não tinham o que responder. Eu criava muito mais respeito pela palavra do que se recorresse á violência, se eu respondesse só com violência ía ser visto como uma bicha agressiva. Só ficavam com medo de mim e não ficavam mais cultos.

PCV: Zé, disseste que gostavas de te ter descoberto mais cedo. Porque é que achas que isso não aconteceu? Por desconhecimento, medo…

Zé(Rebecca): Acho que foi mais por desconhecimento, sempre fui descontraído, nunca senti a necessidade de me assumir como alguma coisa. Se eu gosto, não acho que tenha de ser uma coisa que eu tenha de dizer ás pessoas. As pessoas não precisam de saber daquilo que eu gosto. Se eu gosto é a mim que me interessa, nunca fui de me importar com o que os outros dizem. O que fez com que mais tarde acabasse por chocar com a minha mãe, porque ela se preocupava com o que os outros pensavam de mim.

PCV: A vossa família ou as pessoas á vossa volta tentaram de alguma forma que mudassem os vossos gostos quando eram crianças?

Jorge(Lola): Acho que sim, de uma forma involuntária, é como o sonho da mãe que quer que o filho seja médico.

Zé(Rebecca): Elas querem sempre o melhor para nós e é por isso que o fazem de forma involuntária. Não o fazem por mal, é por desconhecimento das pessoas

PCV: Com que idade é que se montaram como Drag pela primeira vez?

Zé(Rebecca): Fui eu que montei o Jorge pela primeira vez, quando ele tinha vinte e quatro ou vinte cinco anos. E eu devia ter para ai uns dezassete ou dezoito anos.

PCV: O que é que sentiram a primeira vez que se viram em Drag? Realização pessoal ou foi meramente profissional? Contem-nos a vossa história.

Jorge(Lola): No meu caso foi para trabalhar, eu já apanhei a fase Drag no mainstream. A arte Drag é muito completa, permite-me exprimir de diferentes formas. Eu sempre fui de ciências, a minha formação académica é de física. Sempre achei que podia fazer alguma coisa relacionada com artes. Eu não era bom cantor, nem era bom bailarino, nem magro o suficiente para ser modelo, percebes? Mas a arte Drag abrange estas áreas todas, por isso é que achei a arte tão fascinante. Resolvi experimentar para construir um personagem. Desde a primeira vez que o meu estilo evoluiu, mas é coerente.

Zé(Rebecca): Foi para experimentar. A minha experiência é diferente da do Jorge, eu quando vim para Lisboa foi para estudar moda e sempre me fascinei pela figura andrógena. Da imagem masculina com feições mais femininas e eu brincava com isso. A partir do momento em que eu me descobri fiz tudo o que quis, a mim tornou-me mais forte. Quando estudava em Lisboa voltava todos os dias para a Margem Sul com casacos de pêlo, com calças muito justas e plataformas. O meu Drag começou a vir daí, de querer vestir-me e a construir uma personagem. A calçar saltos altos e maquilhagem completa, ao mesmo tempo que usava a minha barba e lábios carnudos, até para quebrar a construção de género que a sociedade tem. Hoje em dia a minha personagem não tem pêlos, é muito feminina, como a minha idealização de deusa. A Rebecca é a imagem da mulher perfeita para mim. É a minha forma artística.

PCV: Como é o vosso dia-a-dia? O vosso trabalho e vida diária?

Zé(Rebecca): Durante a semana é o cérebro que trabalha, nós como trabalhamos para o Trumps todas as semanas temos de estar de acordo com o tema e seguir esse tema. Temos sempre de andar á procura de coisas para o tema, durante a semana é o processo criativo e por vezes chega ao dia D, acho que não está bem e mudo tudo. Porque eu sou dessas! Sexta-feira acordo mais tarde, porque vou estar a noite toda a dançar. Já tenho o ritual de às sete da tarde começar a depilar-me, a tomar banho, normalmente já temos amigos cá em casa e alguém vai fazer uma pizza ou assim. Depois começo a maquilhar-me, demoro cerca de quatro horas ou mais. Já temos o nosso ritual, perto da meia noite começo a apressar-me. Pelas duas da manhã há uma reunião no Trumps e às duas e meia começamos. Depois é até às seis da manhã.

Jorge(Lola): Durante a semana o trabalho é mais intenso, porque envolve pesquisa, estamos restringidos e são três noites por semana com temáticas diferentes. Tens de seguir essa temática e mesmo assim seres fiel á tua personagem. Por vezes, fazemos vídeos á sexta-feira e é preciso criar uma história para a tua personagem, nós esforçamo-nos bastante para essa construção. Isso torna-nos completas, por ser tão bem pensado. E depois temos low budget, o que nos obriga a sermos mais criativos. Também trocamos e emprestamos coisas umas ás outras. E entre Drag Queens ajudamo-nos umas ás outras. Temos a família Haus Of Bunnys. Há semanas em que temos shootings e isso acaba por dar mais trabalho, de vez em quando surge um evento ou outro.

PCV: Quais os principais obstáculos impostos pela sociedade ás Drag Queens?

Zé(Rebecca): A nossa sociedade ainda tem uma mente pequena, as pessoas ainda não sabem o que é uma Drag. As pessoas se ouvirem falar numa Drag ainda associam a uma matrafona do Carnaval de Torres Vedras. Eles não estão á espera de ver uma imagem tão semelhante a uma mulher. Perguntam como é que é estamos tão bonitas sem termos traços masculinos. Acabas sempre por ver o espanto das pessoas. Hoje em dia as pessoas têm outra ideia através de uma Pablo Vittar e as pessoas a mim confundem-me com a Pablo. Sou bonita, sou feminina, sou a Pablo Vittar por termos uma silhueta idêntica. Quando é um tipo de Drag mais criativo, no meu caso sou mais feminino, mas há milhões de formas de Drag Queens e não quer dizer, que por ter uma barba é uma má Drag. Cada Drag é diferente. No Trumps temos uma Drag barbuda, as pessoas dizem que não gostam comparado comigo e isso é horrível. É quase como uma descriminação. O Pedro fica lindíssimo, mas as pessoas não entendem.

Jorge(Lola): O que a sociedade nos impõe é condicionado pela falta de educação e formação. E de um modo geral estão á espera de algo mais matrafão, ou pensam que nós não sabemos se queremos ser homens ou mulheres e que por isso andamos num limbo. É falta de formação. Drag é uma forma de arte tão grande, é uma arte performativa e artística.

PCV: Com maminhas, sem maminhas, com barba, sem barba. Acham que isso confunde?

Zé(Rebecca): Para mim depende do look. Eu estudei moda e adoro criar silhuetas. Depende do meu mood, do look que eu queira criar.

Jorge(Lola): Tudo depende, tem tudo a ver com a personagem. Faço com e sem mamas, mas devido ao meu corpo fico melhor com mamas. Devido ás minhas formas, é mais fácil criar uma silhueta ampulheta e feminina.

PCV: Em tempos de crise ou de uma pandemia como aquela que estamos a viver em 2020, todas as áreas foram afectadas, o meio artístico foi uma delas. São tempos difíceis e numa sociedade como aquela em que vivemos, se tu ou eu fossemos a uma entrevista para trabalhar num call center, possivelmente eu seria seleccionada. Independentemente das vossas habilitações. Por terem unhas compridas, cabelo comprido e um ar mais feminino. Isto é real? Como é que vocês reagem perante situações de injustiça social e preconceito?

Zé(Rebecca): Isso é normal acontecer. Já muitas pessoas passaram por isso. Mas nós temos tido sorte. Eu como sempre trabalhei no meio artístico nunca senti isso. Mas sei de várias pessoas a quem isso aconteceu e é triste.

Jorge: Eu que trabalhava no mundo da óptica, sinto que na altura me escolheram por eu ser diferente. Foi uma mais valia. Um representante dessa marca escolheu-me para ser gerente de uma das lojas, por causa do meu estilo e pela forma como me expresso. Mas nem sempre é assim. No call center, como não estamos a ver a pessoa com quem vamos falar, tudo depende do preconceito da pessoa que te vai entrevistar.

PCV: Como é que vêm esta exclusão do mercado de trabalho? Não vos aconteceu, mas sabem que é uma realidade…

Zé(Rebecca): Claro que sim e lamentamos…

PCV: Existem rivalidades entre Drag Queens. Existe rivalidade em todas as profissões. Mas no vosso caso, como é que se percebe ou se manifesta essa rivalidade, competição?

Jorge(Lola): A arte Drag está normalmente conectada ao shade que vem dos ballroom, que é nós estarmos a fazer pouco da outra pessoa, é uma coisa natural. Nós temos uma casa e nós fazemos shade umas ás outras, parte da cultura Drag. O shade tem de ser inteligente. Eu não me importo que me façam shade, desde que venha de um sítio real ou para ter graça. Há pessoas que acham que shade é falar mal dos outros e isso não é shade. Chegares ao pé de mim e dizeres “estás horrorosa” isso não e shade, é seres maldosa. Há rivalidades em todas as profissões e tu para seres Drag tens de te achar a dona do pedaço, porque se assim não for nem funciona. Há casas rivais, o mundo gay é pequeno em Portugal.

Zé(Rebecca): Por vezes, existem atritos que não aconteceram na realidade, são só as pessoas a quererem arranjar conflitos. É desnecessário porque somos tão poucos.

Jorge(Lola): Os gays já são um nicho, as Drag Queens já são o nicho do nicho e Drags em Lisboa são o nicho, do nicho, do nicho. Então, é estúpido haverem rivalidades. Há espaço para todos, aqui em Lisboa e em Portugal. As minhas irmãs Drags que são da minha casa, eu quero sempre que elas sejam óptimas. Porque se elas forem óptimas, então, estamos todos a ajudar-nos a sermos melhores. Eu quero admirar e aprender com elas. A maquilhar melhor, dançar melhor. É um tipo de rivalidade, mas faz com que eu queira ser melhor e crescer como artista.

PCV: Como Drag Queens trabalham num clube, para um público que aprecia as vossas performances. Mas quais são as possibilidades ou oportunidades para uma Drag Queen em Portugal? O que podiam fazer mais para além de performances em clubes e que ainda não é feito?

Jorge(Lola): Como Drag podes fazer muita coisa, podes fazer workshops de dança, de maquilhagem, de cabelos, de styling, fazermos de host em eventos, podemos estar a apresentar uma marca de roupa, de maquilhagem, etc.

Zé(Rebecca): Olhas para as Drags lá fora e elas desfilam, elas são maquilhadoras profissionais a trabalharem em grandes revistas e depois em Portugal não há grandes opções. Em Portugal estão agora a aparecer os brunches

PCV: Por palavras vossas, expliquem por favor:

Drag Queen: É uma arte.

Travesti: Travesti é a palavra utilizada para menosprezar uma Drag Queen que não seja tão boa. É associado a um homem que se veste de mulher, sem ser de uma forma profissional. A palavra está associado a algo menos positivo, como a prostituição. Tem conotação negativa.
Transformista: Transformista e Drag Queen é a mesma coisa.

Transformista é o termo associado ao Drag do Finalmente, as purpurinas, as lantejoulas, aquele montar de Drag como se fosse para as revistas. Transformista é Drag mas em português.

Transsexual: Envolve género e mudança de sexo, não tem a ver com a arte Drag. Pode experimentar a arte Drag para autoconhecimento, para saberes como te sentes nessa pele. Mas está apenas relacionado com o género e não com a arte.

PCV: Actualmente existe a ideia de glamour associada ás Drag Queens ,mas nem sempre foi assim. Os ataques físicos e verbais continuam a existir, como é que se lida com isso?

Zé(Rebecca): Eu retribuo, não devo nada a ninguém.

Jorge(Lola): Eu não quero saber, ignoro. Só dou valor á opinião das pessoas que eu gosto. Nós gays já temos muitas barreiras, muitas camadas e sempre tivemos de quebrar essas barreiras, portanto, não podemos deixar que tudo nos afecte. Ganha-se muito na vida pela maneira como se fala, sem usar a violência como arma.

PCV: Alguma vez sentiram medo?

Zé(Rebecca): Claro que sim! Eu já vi estrangeiros a serem agredidos só porque eram gays. Eu coloco cara de má e mesmo que tenha medo, ninguém vai saber.

Jorge(Lola): O sítio onde sinto medo é na zona do Cais Do Sodré e Santos. No Cais e em Santos talvez por serem lugares mais hétero normativos, já senti medo quando fui montado de Drag e quando não estava montado de Drag. Só por ser gay. Uma vez, até defendi um miúdo no McDonald´s de Santos que estava a ser gozado e ameaçado por ser gay. Não me sinto confortável, sinto-me perseguido nessas zonas.

PCV: Que conselhos é que podem dar aos jovens que de alguma forma se sentem diferentes, excluídos e têm uma enorme vontade de se descobrirem através de roupas mais femininas no caso dos rapazes e de roupas mais masculinas no caso das raparigas?

Jorge(Lola): Informem-se, porque ter informação é tudo. Procurem bons exemplos. E foquem-se nas pessoas que estão confortáveis por serem quem são. Se nem o teu corpo tem o sexo definido quando tu já vens com uma genitália pré-definida, não é a roupa que te deve definir. Sejam vocês próprios. Nada é só masculino, nada é só feminino.

Zé(Lola): Uma coisa que ajuda muito é seres verdadeiro contigo mesmo, para te sentires livre. E também para aqueles que te rodeiam. Quando contamos a aqueles que nos rodeiam é completamente diferente, tudo muda também. Sentes-te mais à vontade para seres quem queres ser, protege-te saber que as pessoas que amas sabem das tuas escolhas e te aceitam por seres quem és.

PCV: Que conselhos é que podem dar aos pais desses mesmos jovens?

Jorge(Lola): Informem-se. A minha irmã quando soube que eu era Drag Queen, ela foi procurar informação.

Zé(Rebecca): As pessoas têm que ter noção que mesmo que os seus filhos não tenham os mesmos gostos e preferências que os pais, no final do dia eles continuam a ser os filhos deles.

PCV: Como é que gostavam que vos vissem e o que gostavam de dizer a todas as pessoas que de alguma forma são preconceituosos relativamente a Drag Queens?

Jorge(Lola): O que eu mais gosto na minha Drag é ser um exemplo para as pessoas serem livres e serem quem querem ser. E eu sei que passo essa mensagem e isso deixa-me feliz. Há uma menina que até já fez uma tatuagem da minha Lola e ela não representa só a minha Lola, representa a arte de te expressares.

Zé(Rebecca): Acho que as pessoas antes de falarem do que quer que seja deviam informar-se. Se querem saber e ver o que é uma Drag Queen vão até ao nosso local de trabalho, vejam-nos a performar. Vejam o que nós fazemos e depois podem formar a vossa opinião.

O meu mais sincero agradecimento ao Zé e ao Jorge, são um verdadeiro exemplo. Como seres humanos e profissionais. Já nos cruzámos mais do que uma vez por razões profissionais e para mim foi um privilégio estar cerca de duas horas a conversar com eles. Com toda a honestidade e simplicidade do mundo, sempre que estamos juntos sinto que aprendo mais.
Acredito que nós podemos mudar o mundo através do amor. Quando há amor, procuramos respostas. Quando há ódio, procuramos apenas desculpas. Esta entrevista é dedicada a todas as Drag Queens que ao longo dos anos têm evoluído e com ou sem medo, dedicam-se e vivem para a arte. É preciso muito amor para se dedicar a uma arte que ainda sofre de enorme preconceito nos dias de hoje. Dedico esta entrevista a todas as pessoas que estão em cima do muro á procura de respostas. Dedico esta entrevista a todos os pais que aceitam os seus filhos, independentemente das suas escolhas. Dedico esta entrevista a todos os que estão dispostos a quebrar barreiras, a aprender e eliminar o preconceito. Esta entrevista tem como objectivo educar e aprendermos todos juntos. Junho é o mês do Pride e todos nós devemos ser orgulhosos de sermos quem somos. Seja connosco ou com o mundo, a paz será sempre uma opção. Sejam felizes!