Louis Applemans foi uma das agradáveis surpresas que a plataforma Sangue Novo da Moda Lisboa trouxe na última edição. O Belga finalista do curso de moda da La Cambre apresentou uma coleção de roupa masculina a que intitulou Ace of Spades
Como surge a moda na tua vida?
Louis: Digamos que ela entra sozinha desde que nasci como entra na vida de qualquer pessoa. Para mim a moda absorve a mente de cada indivíduo, gostemos ou não. Não querer estar na moda, negá-la, opor-se ou não demonstrar interesse, faz parte do mundo da moda. Comecei por interessar-me, desenhava e estudava este mundo e quando chegou a altura de escolher o curso que queria tirar no ensino superior, acabei por me dirigir para a moda e tive a sorte de frequentar um curso rico em aprendizagem que hoje me levou até esta área. Penso que a moda surge por si só, trabalhar neste universo não significa que goste mais do que de qualquer outra pessoa. O termo “moda” faz parte do vocabulário. É, para mim, das palavras mais abstratas do dicionário… Eu já ouvi definições que nada se parecem com a ideia que eu tenho dela; como se essas definições e a minha própria definição falassem de duas coisas diferentes. Em francês, a palavra “moda” significa também coisas mais abstratas que a palavra “fashion”. Na língua francesa falamos de mode de vie, mode d’expression.
“Ace of Spades”, a tua coleção SS2020 apresenta fusão de padrões, cores e tecidos. Fala-nos sobre estas peças.
Louis: De facto sim, os materiais e as cores seguem diferentes direções. A ideia dos padrões era desempenhar um efeito negativo, onde o padrão e a cor compartilham quase o mesmo espaço no mesmo tecido; ao misturar tudo, perde-se a proporção real das roupas e o espaço que o corpo ocupa nessa roupa. A ideia era realçar “a amplitude de um indivíduo” pelas suas roupas e revelar uma certa indiscrição e uma noção desproporcional de espaço e valores das coisas com tecidos rápidos e sedosos que têm a precedência sobre tecidos de alfaiate. É dessa ideia que surge o nome “às de espadas” que é a primeira carta do jogo de cartas com uma figura anónima e singular.
Que mensagem pretendes transmitir com esta criação?
Louis: Para mim o ás de espadas representa uma personalidade, diria até um arquétipo muito atual nos dias de hoje. Trata-se um indivíduo que, através seu ego generalizado, consegue alcançar o poder e impor o seu lugar. Hoje, uma enorme figura política com uma identidade democrática reflete uma imagem imperial que rapidamente contraria o seu papel e o seu status. Eu peguei nas figuras emblemáticas de poder excêntrico como o Luís XIV, Coreia do Norte e no visual das cartas de um baralho, para trazer o meu olhar para um volume pesado e invasivo. Cada uma das minhas silhuetas veste calças, camisas e jaquetas de trabalho ou jaquetas que são derrubadas nalgum momento por uma onde de extravagância. A minha maneira de expressar esse contraste é, claro, ingénua, as formas parecem quase como o rei de um jogo de cartas e o chapéu passa a anonimizar o meu famoso “Às de Espadas”. Não estou a tentar atacar os nossos representantes políticos em particular, mas sim o caráter individualista que está a invadir todos nós hoje em dia.
O que te inspira quando crias uma peça?
Louis: Muitas coisas diferentes. Peças de vestuário vintage ou autênticos, materiais, a iconografia atual e histórica (ou até vídeo-performance), desenho… Também trabalho muito no aspeto 3D, faço modelos…
Quais são as tuas referências?
Louis: Para esta coleção, principalmente o retrato de Luís XIV em traje de coroação pintado por Hyacinthe Rigaud e a estética misteriosa da Coreia do Norte. Eu tinha um monte de referências como os meus jogos de cartas, continua a ser uma inspiração, entre outras, que devem ceder o lugar a outras ideias e conceitos que afastam a minha mente de um propósito fixo. Fiz muita pesquisa sobre as roupas que integrariam o guarda-roupa do personagem que tentei criar, como a jaqueira de trabalho, o traje de trabalho, a capa de chuva… Explorei também outras referências artísticas que me ajudam a situar no que gosto, no que me representa e no que me atrapalha.