“What’s remembered, lives. There’s no final goodbye”
Texto de Beatriz Landeiro
Do retrato de uma América contemporânea nasce um testamento à natureza e à sazonalidade e renovação dos repetitivos porém incomensuráveis ciclos da vida – talvez tenha sido por esta tão atual relevância que Nomadland arrecadou dois Globos de Ouro nas categorias de Melhor Filme de Drama e Melhor Realizador. Não rejeito totalmente a ideia de ser uma crítica social premeditada ao materialismo da mão invisível que tão manifestamente nos abraçou; tampouco quero descurar como Chloé Zhao nos permitiu viver aquela que é a dureza das grandes falências corporativas dadas ao abandono de cidades fantasma. Contudo, creio que encarar este filme numa semiótica do seu sentido em abstrato será de uma maior honestidade para com o significado que dele depreendi.
A beleza árida e soberba do Oeste Americano serve de pano de fundo para aquilo que é o reconhecimento da paisagem enquanto metáfora: a exploração estacional da caducidade da vida humana através de um grupo sénior e matraqueado, rugoso como as elevações desérticas que em grande parte vemos durante o filme. Observamos também, no rosto envelhecido e calejado de Fern (Frances McDormand), o resiliente reverberar de uma guia nata que na sua autossuficiência encontra o trade-off entre a conexão com a essência das pessoas e a regeneração da natureza, assumindo-se na sua tranquilidade estoica como uma autêntica nómada de espírito. E assim é: na vanguarda de uma narrativa extremamente realista, a inclusão de grupos nómadas verdadeiros, como é o caso de Linda May e Swankie, contribui para a celebração do humanismo de Nomadland, fazendo-nos refletir sobre o que é isto de sermos seres plurais, habitantes de um único berço ocupado por subculturas movediças desta era e daqueloutra. É então justo estabelecer um paralelismo entre os pioneiros, figura icónica na cultura e folklore americanos, a quem historicamente atribuímos a povoação do Oeste dos Estados Unidos, e as comunidades nómadas retratadas – unidos na cronologia deste país pela sua natureza transiente e pelo desejo de desbastar territórios inexplorados em busca de um novo modus vivendi.
E ainda que em Nomadland assistamos a esta brevidade residencial e ao reforço do carácter passageiro do espaço e do tempo, a sua mensagem revela-se, curiosa e paradoxalmente, como um cântico à perene existência das pessoas. Há na partida um reencontro, há na recordação um eterno viver:
“(…) So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee”.
Sonnet 18 de William Shakespeare
texto de Beatriz Landeiro para a revista PARQ #69 Março de 2021 PARQ_69.pdf (parqmag.com)