Edição Março, 2019

Texto por Joana Teixeira

Diamantino é uma trágico-comédia com um twist psicadélico com sabor a algodão doce, que deixa um travo a romance no final. Parece-vos complicado? Acreditem que não é. À primeira vista parece apenas mais uma paródia à carreira de CRISTIANO RONALDO, mas depois revela-se como uma narrativa complexa, em camadas, e sentimo-nos como Alice, caindo por tempo indeterminado dentro do buraco por onde fugiu o Coelho Branco. Realizado por GA B R I E L ABRANTES e DANIEL SCHMIDT, Diamantino venceu o Grande Prémio da Semana da Crítica no Festival de Cannes, percorreu mais de sessenta festivais internacionais e tem a sua estreia comercial em Portugal a 4 de Abril.

 Como foi realizar Diamantino —a sua primeira longa-metragem?

Foi uma experiência incrível, principalmente com todas as respostas positivas que tem recebido do público, da imprensa e dos festivais de cinema. Foi um final muito feliz. Mas o filme levou oito anos para acontecer, desde o primeiro roteiro até ao início da produção. Ao longo desse período de tempo houve muitos altos e baixos. Para mim, a melhor parte foi ter co-realizado com DANIEL SCHMIDT. Fizemos também duas curtas-metragens juntos, com orçamentos apertados. Mas este projeto foi muito mais ambicioso, foi um investimento enorme comparado com as curtas-metragens que fiz antes.

Como caracteriza, na generalidade, o seu estilo cinematográfico? O que procura sempre passar em imagem, independentemente do guião?

Os meus filmes mudam bastante em estilo. Co-realizei agora com DANIEL SCHMIDT, mas também já o fiz com B EN JAM IN CROTTY, KAT IE W IDLOSK I, BEN RIVERS e ALEXANDRE MELO, e os estilos que criámos juntos são todos diferentes. Estudei numa escola de artes, e tenho uma paixão por história da arte —pintura mais especificamente— por isso os meus filmes muitas vezes contêm referências de fontes históricas da arte. Os filmes são quase todos realizados em filme S16mm, que proporciona uma sensação sensual que eu acho muito bonita, e as referências visuais atravessam vários gêneros, cinema pop de filmes de terror até clichês de James Bond, TV da paródia de South Park ao CSI “tecnologia falsa”, ou cinema de autor, especialmente comédia de autor, de Lubitsch a Pasolini.

Quais foram as inspirações visuais para realizar este filme?

As nuvens cor-de-rosa repletas de f ilhotes caninos de Diamantino foram inspiradas nas pinturas de WILL COTTON, e a forma como o f ilmámos em campo foi inspirada por PARENO e GORDON, Zidane. O estilo de penteado cross-dressing de Aisha foi inspirado no visual do ASAP ROCKY. E depois há várias inspirações da cultura pop: hologramas azuis de laboratório arrancados de Iron Man, irmãs malvadas tiradas de Cinderela, um génio maligno preso a uma cadeira de rodas retirado do Dr. Strangelove, um falso anúncio de propaganda intitulado Portugal Exit —retirado de uma campanha pró Brexit. No filme Diamantino toca em vários tópicos que marcam a actualidade, como a corrupção, o crescimento da investigação científica nem sempre para fins humanitários, a crise dos refugiados, o nascimento de novos nacionalismos…

Em que medida a realidade política o interessa e de que forma podemos encontrá-la no cinema de hoje?

Diamantino é uma comédia romântica e paródia política. Fala sobre muitas das questões que aparecem constantemente no ciclo noticioso e que muitas vezes me assustam — como o ressurgimento da extrema-direita, a ascensão do Trumpismo, a xenofobia institucionalizada e o racismo. Mas, acho que o filme é uma comédia que deve ser divertida e libertadora. Acho que a parte mais política do filme é, na verdade, o seu fim, que não vou estragar para aqueles que não o viram ainda. Em Diamantino temos visões surreais como campos de futebol cheios de cães felpudos.

Porquê avançar nesse sentido?

Foi uma espécie de visão que se manifestou espontaneamente. Parecia uma ideia tão engraçada e fofa sobre o que acontece na cabeça de um génio do futebol —um paraíso infantil do resto do mundo. Diamantino aparece como um salvador nacional, tal como em momentos históricos tivemos outros, no entanto, numa visão mais íntima como é dada neste filme ele está muito longe de corresponder às esperanças que nele depositam.

Portugal é um país de esperanças vãs? E o cinema em Portugal?

Acho que não. Em relação ao cinema que sai de Portugal acho que alguns dos filmes mais maravilhosos, sensíveis, inspiradores e gratuitos vieram de realizadores portugueses. Estes filmes têm recebido alguns dos principais prémios nos festivais mais prestigiados do mundo. O cinema português é uma coisa maravilhosa, e eu realmente espero que continue cada vez mais forte, especialmente em termos do financiamento. Tem-se uma vaga impressão caricatural no início do filme, mas depressa parecemos entrar num conto para crianças onde há uma figura cândida cercada por vilões.

 Em que medida este guião serve o seu cinema?

O filme foi inspirado em contos de fadas, que muitas vezes têm a trágica figura infantil no centro, cercada por bruxas malvadas, madrastas, feiticeiros e ogres. Tanto DANIEL  SCHMIDT como eu temos muitas vezes uma tendência a tentar colocar demasiado nos nossos filmes, para tentar falar sobre tudo, e então começámos a procurar uma maneira de simplificar a narrativa que queríamos ter, através de uma espinha dorsal muito clara onde conseguimos pendurar toda a nossa diversidade de parafrenias estéticas e conteúdo disperso.

Pode comentar o final em que o amor vence como em qualquer bom romance, ou conto de fadas, mas numa relação não muito óbvia que passa por grandes transformações?

Novamente, não quero estragar o final, então não vou falar muito. Mas se o filme tem algum tipo de mensagem, é uma espécie de anti mensagem, queremos que seja uma ode à ambiguidade, à liberdade e ao amor.

Se tivesse de convencer os portugueses a verem este filme, o que diria?

 Venham ver o Diamantino. Ganhou um dos grandes prémios de Cannes, já esgotou as salas todas do Cinema São Jorge, e nunca se riu tanto num filme português! Se tivesse de descrever este f ilme em três palavras… CR7, Cãezinhos Felpudos.